Na noite deste domingo (25), o Fantástico, programa da TV Globo, exibiu uma reportagem retratando a situação de trabalhadores rurais que são obrigados a entregar parcelas atrasadas de benefício por meio de contratos abusivos.
Na cidade de Manhuaçu, o Fantástico encontrou casos de cobrança abusiva em processos de aposentadoria.
Geraldo e Rita moram em uma casa simples. Ele é lavrador, ela, dona de casa.
“Eu sofri um acidente. Caí da escada apanhando café e tive fratura no joelho”, diz o aposentado Geraldo Balbino.
Sem poder trabalhar, Geraldo também procurou um advogado depois de ter a aposentadoria negada pelo INSS. Enquanto esperava a decisão do juiz, ficou sem a única fonte de renda que tinha.
Geraldo Balbino: Ficou difícil. Faltava as coisas dentro de casa. Problema de remédio. Faltava para mim. Eu não tinha nem como comprar remédio para mim.
“Nós acordamos, o café da manhã é taioba, o almoço é taioba, é mingau de taioba. No café da tarde vem a taioba de novo e à noite também. Os meus dois meninos mais velhos não sabiam o que era biscoito, porque comia pão velho, Fome. Fome”, relembra a dona de casa Rita Balbino.
Quando finalmente teve a aposentadoria concedida, ele nem fazia ideia de que tinha atrasados para receber.
“Um oficial de Justiça me procurou dizendo que era para eu procurar a Caixa Econômica Federal para receber essa quantia R$ 17,3 mil”, conta Geraldo Balbino. Mas quando chegou ao banco…
“Segundo o gerente da Caixa, o dinheiro não chegou nem ir na Caixa. Direto do INSS já saiu para a conta do advogado. Eu liguei para ele, ele não atendeu. Eu fui no escritório dele, ele não apareceu para mim. Foi daí que eu já saí de lá com a certeza de que teria sido enganado. Infelizmente fui enganado por eles”, afirma Geraldo Balbino.
O advogado Altair Vinicius Pimentel Campos responde ao processo do Ministério Público Federal no caso do Seu Geraldo. Antes de dar entrevista para o Fantástico, ele se benzeu.
“Essa ação civil pública do Ministério Público é um absurdo. O Ministério Público só tem um foco nessa questão: é a autopromoção de um promotor incompetente, que propôs uma ação pública absurda. Nós cobramos um honorário de 30% sobre os atrasados que por ventura vierem a resultar da ação”, diz o advogado.
30%, afirma o advogado. Mas não foi essa a quantia que ele cobrou de Seu Geraldo, nem de Dona Catarina, quando ela entrou com pedido de aposentadoria depois de quase perder o pé.
“Eu perguntava ele sobre dinheiro e ele falava comigo que ainda não tinha chegado. Faz muita falta, porque eu dependo desse dinheiro porque dos remédios que eu tomo. Fiquei quatro anos procurando ele querendo saber dessa resposta”, disse aposentada Catarina Marques da Silva.
“Há o dever do advogado de prestar contas ao seu cliente. Ainda que simples, mostrar para o seu cliente ‘olha recebi tanto, fiquei com tanto, estou te pagando tanto”, destaca o procurador da República Lucas Gualtieri.
Não foi isso que aconteceu. Dona Catarina só descobriu que tinha direito a R$ 28 mil de atrasados quando um oficial da Justiça chegou em sua casa com o aviso judicial. Mas o dinheiro também já tinha sido retirado do banco pelo advogado Altair.
“Só que ele não queria me dar os R$ 28 mil, não. Queria me dar 14 mil. Eu chorando demais com ele, ele me deu R$ 1 mil a mais”, conta Catarina.
Este é mais um entre centenas de casos que se espalham pelo Brasil inteiro e que estão sendo investigados pelo Ministério Público. “Os advogados também tinham ciência de que eram pessoas carentes que precisavam daquele recurso. E mesmo assim os advogados, em alguns casos, se apropriaram desses recursos”, diz a procuradora da República Ludmila Oliveira.
A Ordem dos Advogados do Brasil contesta a ação do Ministério Público Federal.
“Não cabe ao Ministério Público Federal punir ou julgar infração ética de advogado. Nos termos da lei, cabe ao tribunal de ética e disciplina da OAB julgar a infração ética”, diz o corregedor nacional da OAB Claudio Stabile.
“O Ministério Público está pedindo que seja limitada a cobrança de honorários nessas causas previdenciárias de baixa complexidade, até 20%. E os valores que foram cobrados além desse limite que sejam ressarcidos para os clientes”, defende a procuradora da República Ludmila Oliveira.
A fixação do limite dos honorários será decidida na Justiça Federal. Além da ação civil pública, os advogados podem responder a processos criminais.
“São investigados os crimes de apropriação indébita, que é o crime exatamente de uma pessoa que se apropria de um valor que não é seu. Há também o crime de sonegação fiscal. Há ainda o crime de patrocínio infiel, que é a situação na qual o advogado trai confiança do seu cliente”, diz o procurador Lucas Gualtieri.
Impossível saber quantos trabalhadores já foram enganados. As investigações dos procuradores constataram que, na maioria dos casos identificados, não houve contrato formal entre cliente e advogado.
Na cidade de Guanambi, no sudoeste do estado, a Justiça já está começando a ser feita.
Os advogados denunciados pelo Ministério Público foram condenados pela Justiça Federal de Guanambi a devolver em dobro todo o dinheiro que receberam a mais. E ainda ao pagamento de uma multa que equivale à metade dos valores que ultrapassaram o teto máximo de 20% de honorários.
Os advogados da Bahia recorreram da condenação da Justiça Federal de Guanambi. Agora a decisão cabe ao Tribunal Regional Federal, em Brasília.
“É bom deixar claro também que quem pratica ilícito são a minoria. A minoria da advocacia. Hoje no país nós temos quase 1 milhão de advogados, e a grande maioria é formada por advogados honestos”, destaca Alex Barbosa de Matos, presidente da OAB-Manhuaçu (MG)
Enquanto isso não se resolve, gente como Seu Geraldo e Dona Rita, Dona Iracema e Dona Catarina vão continuar sem ver os atrasados das aposentadorias.
É tudo o que Dona Ercília deseja: ter de volta o dinheiro que o advogado cobrou a mais.
“Se chegar R$ 2,3,4 ou 5 mil, eu fico feliz demais, muito feliz. Fico alegre, alegre. Eu até saro. Porque eu estou deprimida de sofrimento”, diz a aposentada Ercília.
“Dá muita tristeza. Dá tristeza da gente pensar como é que pode uma pessoa ser ganancioso, que isso é ganância, porque ele tem. Ele tem profissão. E outra: tirar de quem não tem nada para oferecer”, diz Rita.
Veja o vídeo da reportagem no site do Fantástico: CLIQUE AQUI
Do Portal Caparaó