Estudantes de Caiana pagam indevidamente por transporte universitário

Município licitava o serviço e, sem qualquer previsão contratual, empresa cobrava adicional dos alunos.

Publicado em 27/03/2015 - 16:54    |    Última atualização: 27/03/2015 - 16:54
 

Por Junior Santos e Paulo Faria.

Cerca de 40 universitários por ano, durante mais de meia década, pagaram de forma indevida pelo transporte até faculdades de Carangola. Foi esta a conclusão a que chegou o Portal Espera Feliz após analisar documentos relacionados às licitações realizadas em Caiana, no período de 2009 a 2014, para contratação de ônibus para transporte de alunos do ensino superior.

Sem qualquer previsão no contrato de prestação de serviços celebrado com o município, a empresa W.M. Turismo exigia de cada um dos alunos uma mensalidade, que ao longo dos anos variou de R$75 a R$105. O argumento era de que os valores licitados referiam-se apenas ao percentual de 50% e, por isso, cada usuário deveria arcar com a outra parte pelo transporte. Somente dos alunos, a empresa faturou cerca de R$53 mil no ano de 2014.

Como tudo começou

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No ano de 2009, durante o mandato do prefeito Sebastião de Sales Rodrigues, o município de Caiana decidiu contratar uma empresa para fazer o transporte dos alunos que estudavam em instituições de ensino superior de Carangola. Para isso, realizou um processo licitatório em 29 de janeiro daquele ano, no qual saiu vencedora a empresa Márcia Regina Rodrigues, à época representada pelo hoje proprietário da W.M. Turismo, Wézer Rodrigues.

No contrato, o município se comprometia a pagar mensalmente R$75 por cada um dos 29 alunos que utilizavam o transporte, o que dava um total de R$2.175 mensais. Os valores correriam por conta do orçamento da Secretaria Municipal de Educação. O documento, entretanto, não faz qualquer menção à necessidade dos estudantes complementarem o pagamento. Mesmo assim, cada um dos universitários que percorreu os 70 quilômetros diários a bordo do veículo da empresa em 2009 desembolsou R$75 por mês.

As licitações dos dois anos seguintes seguiram os mesmos moldes da de 2009, ocorrendo apenas uma alteração, em 2011, com relação ao valor pago pelo município por cada aluno, que saltou de R$75 para R$80.

Mudanças, mesmo, vieram no ano de 2012. A capacidade do veículo contratado passou de 29 para 45 lugares. Wézer Rodrigues venceu mais uma licitação, só que agora à frente da W.M. Turismo de Espera Feliz. A forma de pagamento também sofreu considerável mudança. O município não mais pagava por aluno transportado, mas por viagem. Independentemente da lotação, a empresa recebia R$212 por cada dia de serviço prestado. Se considerarmos que cada mês possui 20 dias letivos, é como se o município pagasse, em média, R$94 por aluno mensalmente.

A única coisa que não mudou nisso tudo foi o pagamento efetuado pelos estudantes, o que rendeu à empresa aproximadamente R$42.400 em 2012.

A situação na atual administração

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Em 2013, assumiu o município de Caiana o então prefeito Sebastião Heleno Zanirati. Mudanças à parte – comuns em toda troca de governo -, a situação do transporte universitário permaneceu inalterada. A empresa vencedora foi a mesma de 2012, assim como os valores pagos por cada viagem.

As licitações do ano passado e deste ano foram cópias fiéis da dos dois anos anteriores, não fosse por um considerável detalhe: em 2014, o preço por viagem saltou de R$212 para R$280 e em 2015 subiu para R$298.

Não bastassem os R$5.610 pagos mensalmente pelo município no ano passado, a W.M. Turismo ainda faturou praticamente o mesmo valor dos 51 alunos, cobrando cerca de R$105 mensais de cada um.

Mas o melhor ainda estava por vir. O contrato de prestação de serviços de transporte celebrado com a empresa – que terminaria em 31 de dezembro deste ano -, assim como todo o processo licitatório, foram anulados, coincidentemente, logo após o a reportagem do Portal Espera Feliz ter solicitado do município cópias de todas as licitações realizadas de 2009 até 2015. Embora questionada, a atual administração não esclareceu os motivos da rescisão do contrato e nem se o cancelamento da licitação tem qualquer relação com a requisição dos documentos.

Mas o prefeito Sebastião Heleno Zanirati afirmou que após a anulação da licitação, tentou contato com a Viação Nossa Senhora de Fátima, de Espera Feliz, para a contratação do mesmo serviço, mas por um preço mais barato. Segundo ele, a negociação não se concretizou porque a empresa, “após ofertar um preço, sem justificativa, no dia seguinte, não sustentou o valor”.

O funcionário responsável pela empresa, Adriano de Souza, confirma tal versão. De acordo com ele, realmente apresentou ao município um orçamento inicial de R$105 mensais por aluno, mas refez as contas e viu que o valor não seria suficiente. Então solicitou, além da quantia, o fornecimento por parte do município de 300 litros de óleo diesel mensalmente, proposta que não foi aceita pelo prefeito. Ainda, segundo Souza, a empresa se dispõe a realizar o serviço pelo valor de R$230 por viagem.

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Mesmo esse valor sendo inferior àquele fixado como referência na licitação deste ano, o município optou por não mais contratar o serviço de transporte para os estudantes universitários do município. A justificativa é uma queda no repasse do Fundo de Participação do Município (FPM), espécie de recurso que a União transfere três vezes por mês aos municípios.

Preços elevados

Além da cobrança mensal dos alunos sem qualquer previsão, o que chama a atenção é a diferença de preços existentes entre a W.M. Turismo e outras empresas que prestam o mesmo tipo de serviço.

O Portal Espera Feliz consultou três empresas e chegou à cotação média de R$272 por viagem – em veículo de mesmo porte do que prestou serviços nos anos anteriores -, valor este que se refere à integralidade do serviço. Em 2012, a W.M. Turismo recebeu do município pelos supostos 50% a quantia de R$212 pelo mesmo trajeto diário. Além disso, cobrou dos alunos aproximadamente o mesmo valor, o que dá um total de 55% acima do preço de mercado por viagem.

A diferença é ainda mais exorbitante se usarmos como referência o ano de 2014, no qual, apenas do município, a W.M. recebeu o equivalente a R$280 por viagem. Ou seja, o alegado percentual de 50% foi maior que a cotação integral média apresentada pelas empresas consultadas.

Mesmo se compararmos cotações atuais com o preço cobrado há cinco anos, ainda podemos observar diferenças consideráveis de valores. Para se ter uma ideia, em 2009, quando a forma de pagamento do serviço era por aluno, o valor contratado foi de R$75 para cada estudante. Naquele ano, tanto o município quanto o usuário do transporte desembolsaram esse valor, o que dá um total de R$150 mensais.

Na proposta que a Viação Nossa Senhora de Fátima apresentou ao atual prefeito, dá uma média de R$122 mensais por aluno, se considerarmos a R$3 o preço do litro de óleo diesel. Mesmo com os reajustes monetários ocorridos ao longo desses cinco anos, ainda encontramos empresas que prestam o mesmo serviço por preço inferior.

Falta de fiscalização

Um dos fatores que podem ter contribuído para que a situação do transporte universitário chegasse a esta situação é a falta de fiscalização.

Apesar de constar expressamente no contrato, o que se observa é que o município não realizava qualquer controle em relação ao número de alunos beneficiados.

O próprio prefeito Sebastião Heleno admitiu que “efetivada a contratação, todo e qualquer contato com alunos ficava restrito à empresa”. O município limitava-se, apenas, a efetuar o pagamento, após a apresentação das notas fiscais.

Talvez por isso, ocorram situações como o caso do transportes de alunos para Itaperuna, contratado da W.M. no ano de 2014. Segundo apurado, apesar de licitado com a finalidade de transportar universitários de Caiana, dos 51 lugares, cerca de 20 são ocupados por pessoas de outras cidades, como Espera Feliz e Carangola.

No ônibus que faz o trajeto para Carangola esse número é um pouco menor, pelo menos 10 alunos não pertencem ao município.

O que dizem a empresa e o município

O diretor da empresa W.M. Turismo, Wézer Rodrigues sustenta que o valor pago pelo município é referente a apenas 50% do valor do serviço e que, por isso, cobra dos alunos o restante, através da emissão de boleto bancário. Questionado, então, por que a responsabilidade de cada parte não ficou estipulada na licitação, informou que na época indagou a administração municipal sobre isso, mas não deu maiores detalhes. Também negou a existência de qualquer acordo informal, seja com os prefeitos, seja com a comissão de licitação, autorizando a cobrança.

Sebastião Heleno Zanirati declarou que as contratações do transporte de alunos “seguiu os mesmos moldes das licitações efetuadas nas administrações anteriores”. Alegou também que a atuação do município limitava-se a licitar o serviço, efetuar a contratação e o pagamento. Não respondeu, entretanto, se sabia da emissão de boletos e da realização de cobrança dos alunos por parte da W.M. Turismo.

Já o ex-prefeito Sebastião Sales afirmou que na sua gestão o valor pago pelo município correspondia a 50% do total do serviço e que tal orientação foi repassada à comissão de licitação. Não soube informar, porém, por que isso não constou dos contratos, os quais foram, inclusive, assinados por ele. Da mesma forma, negou qualquer acordo informal com a empresa, autorizando as cobranças dos estudantes.

Duas coisas são certas no meio dessa guerra de informações: a cobrança de qualquer quantia dos alunos não tem qualquer previsão e os valores praticados pela W.M. Turismo estão bem acima dos preços de mercado.

Mas certo, mesmo, é que os grandes prejudicados nesta história toda são os alunos, que terão que desembolsar cerca de R$180 mensais pelo transporte até Carangola. Gente como Juliano Silveira Batista, de 24 anos. Não bastasse a sua indignação com os pagamentos que efetuou para a empresa desde o ano de 2012, agora, com o cancelamento do serviço pelo município, o estudante de administração vê sua renda comprometida. “Com certeza é um dinheiro que vai me fazer falta”, lamentou.

Por Junior Santos e Paulo Faria.


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