Desde o dia 15 de março funcionários da rede pública de educação de vários estados brasileiros iniciaram uma greve nacional como forma de protestar contra uma série de medidas que vêm sendo discutidas e prestes a serem aprovadas pelo governo brasileiro. Entre as mais destacadas está a polêmica Reforma da Previdência. Os profissionais da educação, entre eles professores, secretários, supervisores e auxiliares de serviços de educação básica estão, há mais de 20 dias, paralisados e, apoiados pelo sindicato de seus respectivos estados, vêm organizando manifestações populares em todo o Brasil a fim de levar informação e conscientizar a população a respeito das mudanças que, segundo a classe, poderão ser prejudiciais ao trabalhador, caso a reforma seja aprovada.
De acordo com o movimento, as propostas que a PEC 287/2016 pretende aprovar poderão prejudicar o trabalhador brasileiro através da alteração de vários itens já consolidados pela legislação vigente, como idade mínima para aposentadoria para homens e mulheres a partir dos 65 anos e tempo de contribuição de 49 anos; redução do valor geral das aposentadorias; contribuição obrigatória para o INSS dos trabalhadores rurais; pensão por morte e benefícios assistenciais abaixo de um salário mínimo; impedimento da cumulação de aposentadoria e pensão por morte; alteração injusta da aposentadoria de trabalhadores de profissão de risco (insalubridade); fim das condições especiais para a aposentadoria de trabalhadores rurais, professores e policiais; entre outros.
No caso de Minas Gerais, além da Reforma da Previdência, os professores também reivindicam o cumprimento dos acordos assinados pelo governo estadual com os trabalhadores em Educação. O maior contingente de manifestantes está concentrado na capital Belo Horizonte, mas há reflexos desses protestos que cada vez mais se fortalecem por todo o interior do estado, como vem ocorrendo nos municípios da vertente ocidental da Serra do Caparaó. Escolas estaduais e, em alguns casos, até municipais aderiram à greve e realizam trabalhos de panfletagem, plantões e passeatas pelas ruas de vários municípios como Divino, Fervedouro, Tombos, Caparaó, Alto Caparaó, Carangola e Espera Feliz.
A redação do Portal Espera Feliz conversou com a professora de História Patrícia Verly, participante ativa dos manifestos locais, que esclareceu alguns pontos sobre a greve. Segundo a professora, a CNT (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) convocou os trabalhadores para paralisarem seus trabalhos como meio de chamar a atenção da sociedade e impedir que a reforma seja aprovada. “Em Espera Feliz, através de diálogo com as demais escolas estaduais, especialmente as da zona urbana como a E. E. Interventor Júlio de Carvalho, Altivo Leolpoldino de Souza e Erênio de Souza Castro, acordamos que, a partir do dia 21 de março deste ano, estaríamos unidos ao Sind-UTE/MG dando apoio e fortalecimento ao movimento com o intuito de mobilizar a sociedade local contra a Reforma Previdenciária”, explica a professora.
Assim, desde o dia 23 de março os profissionais vêm se reunindo periodicamente para traçar estratégias das intervenções na cidade e organizando passeatas e concentrações pelas ruas. Já houve protestos nas escadarias da Igreja Matriz e a partir da Praça Cira Rosa de Assis, descendo em passeatas pela Avenida Fioravante Padula e culminando na parte central da cidade, em frente à Prefeitura Municipal. Sempre de forma pacífica e escoltados pela Polícia Militar, em todos os atos professores, vereadores, alunos, representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e cidadãos comuns que abraçaram a causa caminham unidos e exibem cartazes com imagens e frases de efeito contra a Reforma da Previdência. De acordo com a professora Patrícia Verly, este movimento, antes mesmo de nascer, deixou de ser luta de apenas uma classe para ser uma luta em favor de todas as classes trabalhadoras do Brasil, que serão as maiores prejudicadas com a aprovação das alterações da Previdência. “Espera Feliz é um município agrário, pessoas simples do campo movimentam a economia da região. É preciso lutar por essa categoria, que será atingida diretamente, e também pelos nossos jovens, que ainda irão para o mercado de trabalho. É preciso lutar por esse futuro”, explica Patrícia, que aderiu com coração aberto à causa e faz duras críticas ao sistema. “Não é justo que anos de história sejam jogados fora. Pessoas lutaram por nós, foram torturadas, morreram pela garantia dos direitos humanos, por uma democracia legítima. Por isso é preciso que hoje também tenhamos a coragem de soltar nossa voz e gritar o que de fato queremos”, argumenta a professora.
Conforme informações fornecidas pela liderança da greve em Espera Feliz, as manifestações visam causar efeitos em níveis local e nacional. A professora explica que, primeiro, é preciso informar a população o que de fato está acontecendo no país, o real motivo das paralisações, mobilizando todos em favor de um bem maior. Diz também que, quanto mais pessoas informadas tiverem, mais rapidamente se conquistará o status de uma sociedade mais organizada e, por isso mesmo, mais preocupada com os problemas do país, pois pessoas informadas são capazes de analisar as perspectivas e lidar melhor com as adversidades. Em nível nacional, Patrícia acredita que as manifestações ajudam a engrossar o coro das vozes que também protestam em outros lugares, mostrando que o povo é forte e quer dialogar com o governo, demonstrando que uma decisão tão séria como é esta reforma necessita da participação direta do povo, pois é a ele que as mudanças afetarão. “É necessário reorganizar a administração pública, canalizar as competências. Só assim conseguiremos mudar o nosso país”, defende Patrícia.
De todos os atos, pelo menos três manobras chamaram a atenção das pessoas que passavam pelas ruas de Espera Feliz. Primeiro foi o ato do dia 24 de março, os manifestantes saíram em marcha pela avenida principal e se fixaram em frente ao Fórum, momento em que, num gesto simbólico e comovente, entoaram a canção “Caminhando e Cantando”, de Geraldo Vandré, fazendo alusão aos movimentos de resistência contra a ditadura militar nos anos de 1960, seguido do Hino Nacional como forma de demonstrar o respeito e o afeto pela pátria. O segundo ocorreu no dia 31 (última sexta-feira), em que os manifestantes permaneceram durante todo o dia em frente à prefeitura, onde instalaram um stand com cartazes e faixas exibindo frases de ordem, equipamento de som com músicas de protesto e um caixão, satirizando a situação do trabalhador que, caso a reforma seja aprovada, morrerá antes mesmo de conseguir se aposentar. Já no dia 04 de abril (nesta terça-feira), o movimento se estendeu para outros pontos da cidade através do “Plantão PEC”, cujo objetivo foi o de levar informação para quem reside fora do centro de Espera Feliz.
De acordo com a professora Patrícia, as manifestações têm trazido resultados positivos, pois a população está se inteirando cada vez mais a respeito do tema em pauta e está apoiando da maneira que pode, como se verifica através de postagens a favor do movimento nas redes sociais e em conversas de rua. “A Câmara Municipal de Vereadores, o Poder Executivo, as igrejas e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais também abraçaram a causa e juntos estamos agitando a cidade”, define a professora, em tom de otimismo.
Ainda de acordo com Patrícia Verly, a escola exerce um papel fundamental, pois é através da educação que as pessoas podem compreender e discernir as informações e assim conhecer seus direitos, lutando pela permanência de suas conquistas. Segundo ela, a grande mídia não é imparcial ao que se refere às verdades que estão por trás das notícias, somando-se a isso a falta do hábito de leitura por parte do povo, o que o torna desinformado e alheio aos assuntos de seu interesse. “A escola tem o papel de moldar o indivíduo para que sempre busque a verdade. É o que fazemos quando oportunizamos a educação na rua, lutando e mobilizando contra o retrocesso social, que quer retirar do trabalhador os direitos conquistados com intensa participação democrática em décadas anteriores”, completa.
Segundo relatos de professores com mais tempo de serviço, esta é a primeira vez que uma greve da classe dos educadores surtem tantos efeitos positivos na sociedade local, o que pode ser comprovado pela força que o movimento, num curto espaço de tempo, vem tomando através do apoio da população. Muitos acreditam que as redes sociais são decisivas para a conquista desse apoio, pois difundem com facilidade as informações e fazem a cobertura em tempo real das manifestações. De acordo com um dos manifestantes, o professor de Geografia André Moreira de Souza, a greve dos professores não é sinônimo de cruzar os braços e ficar em casa descansando, mas sim de ir à luta e, da mesma forma como é feito dentro dos muros escolares, trabalhar numa grande aula de “cidadania”, no sentido mais literal do termo. Segundo o professor, pelo que pôde ser visto nas últimas semanas, as aulas realmente não estão suspensas, apenas saíram das salas de concreto e ganharam as ruas e praças da cidade.
Da redação do Portal Espera Feliz.