Este é um artigo ou crônica pessoal de Paulo Faria.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
A série ‘O Mecanismo’, dirigida pelo cineasta José Padilha é baseada no livro ‘Lava Jato – O Juiz Sérgio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil’, do autor Vladimir Netto. Como é uma obra de ficção baseada em fatos, é consenso que se mude algo aqui e acolá para dar dinamismo à produção cinematográfica – o que é muito diferente de falsear a realidade, seja por um viés ideológico, seja por uma questão mercadológica.
Nesta 2ª temporada de ‘O Mecanismo’ o diretor José Padilha deixou nítido que pra ele não há compromisso com os fatos, nem com o livro que se embasam os fatos, mas sim, com sua visão atual sobre os fatos.
Se na 1ª temporada da série José Padilha foi o mais verossímil, nesta nova leva de capítulos que estreou dia 10 de maio no serviço de streaming Netflix, o diretor esculhambou com a verdade jogando pro público um amontoado de besteiras. Ao assistir ambas as temporadas a sensação que fica é que foram dirigidas por duas pessoas totalmente distintas.
Em declarações recentes, José Padilha deixou claro que não ficou muito satisfeito com o resultado das últimas eleições e fez críticas diretas ao ministro Sérgio Moro. Talvez por isso quisesse ele se redimir no que ele fez em ‘O Mecanismo 1’ entregando um narrativa quase que inteiramente deslocada da realidade em ‘O Mecanismo 2’, e, por extensão, resolveu passar pano para a corrupção do PT e tentando a todo momento passar a ideia de que os responsáveis pela Operção Lava Jato são levianos e ‘anti-heróis’. Sim, desse jeito mesmo.
Abaixo, por tópicos, e não necessariamente em ordem cronológica, confronto alguns fatos com a visão míope de José Padilha em “O Mecanismo 2’ [atenção, contém spoilers]:
*Durante os oito capítulos da série, o diretor forçadamente tenta retratar a Janete Ruscov (Dilma Roussef) como uma pessoa “apenas inexperiente” e não como uma mulher corrupta. MENTIRA: em 2014 o doleiro Alberto Yousseff já havia, através de delação premiada, dito que “o Planalto sabia de tudo”, ou seja, que a Dilma sabia e sempre soube que a Petrobras servia para abastecer políticos do PT, do PMDB e do PP. Além disso, há o esquema de caixa dois bilionário usado para eleger e reeleger a ex-presidente Dilma, fato delatado por Marcelo Odebrecht e endossado pelo ex-ministro Antônio Palocci, além do esquema de Pasadena. Isso só pra ficarem três exemplos.
*Em um dos capítulos da série, onde retrata o processo de impeachment da Janete (ex-presidente Dilma), o ex-presidente Higino (Lula) e a própria Janete ficam isoladamente com aquele ar de anjos imaculados assistindo a derrota pela TV no Palácio do Planalto. MENTIRA: Nos dias que se sucederam ao julgamento do impeachment e até no mesmo dia, ambos, Dilma e Lula montaram um bunker num hotel em Brasília para comprar deputados para barrar o processo. Muitos deputados mesmo comprados votaram a favor do afastamento da ex-presidente.
*Em outro capítulo da série também é retratado os famosos áudios capturados que contêm a conversa entre Dilma e Lula o qual a primeira tenta brindar o segundo com um ministério para que Lula ganhasse foro privilegiado e tivesse uma chance de escapar da gaiola. Como o juiz Paulo Rigo (Sérgio Moro) resolveu quebrar o sigilo das conversas e divulgá-las à imprensa, toda a equipe da PF e MPF ficou tristinha e p*** com a atitude do juiz. MENTIRA: Se a própria PF e MPF queriam juntar o máximo de elementos possíveis para dar prosseguimento a Lava Jato e quebrarem as estruturas corruptas do poder, não existem indícios que houvesse uma comoção negativa por parte de qualquer integrante da equipe, pelo contrário, o que se viu foram manifestações públicas de muitos procuradores da Força Tarefa da Lava Jato parabenizando atitude do juiz.
*O personagem Marco Ruffo (o procurador Gerson Machado) a respeito da divulgação dos áudios diz: “o juiz dividiu o país”. MENTIRA: o país já estava dividido há três anos, desde as grandes manifestações de 2013, antes mesmo do início da Operação Lava Jato.
*Em uma cena, se reúnem os personagens que fazem referência ao então senador Aécio Neves; o ministro do STF, Gilmar Mendes; o deputado Eduardo Cunha e o vice-presidente Michel Temer para montar um grande complô para derrubar a “honradíssima” presidente Janete Ruscov. O plano: criar um pedido de impeachment que seja bem embasado; colocar nas capas de revistas a figura do juiz Rigo de forma positiva para que depois que o vice assumisse, pudesse frear a Lava Jato. MEIA-VERDADE: Por mais que você ache que as figuras acima sejam odiosas, o pedido de afastamento da presidente não nasceu assim; não existem provas que o senador Aécio Neves emplacou a imagem positiva do juiz Sérgio Moro através de trânsito livre nas grandes revistas do país; e sim, a única coisa verossímil nesta cena é que essa galera toda realmente queria acabar com a Operação Lava Jato.
Estas são algumas das cenas falseadas pelo diretor José Padilha, mas vale aqui um resumão da ópera: Na cena em que mostra a condução coercitiva do ex-presidente Lula, os agentes da PF ficam o tempo todo com o dilema moral que não convencem nem a um bêbado de calçada: “fiz faculdade graças ao ex-presidente”, diz um; “vocês sabem, né, ele foi o melhor presidente que este país já teve”, diz outro. Sobre o impeachment: “se ela cair vai entrar outra quadrilha pior no poder”; “estão tirando uma presidente eleita democraticamente eleita do poder”; e por aí vai… e tem mais: Padilha simplesmente ignorou a famosa delação dos “77 da Odebrecht” que apontavam de forma unânime para a formação de uma quadrilha organizada cujo chefe é desnecessário citar aqui.
Pra desandar de vez a maionese, José Padilha fez questão desavergonhadamente de usar todos os chavões da esquerda através das falas dos agentes da PF. E o pior: ele trata o PT, nesse esquema todo, como apenas um coadjuvante da maior roubalheira da história. Como eu disse acima, ele quis passar “pano” para os verdadeiros agentes da maior roubalheira da história, e enfatiza do primeiro ao último capítulo da série que o problema sempre foi o PMDB. Este sim é o grande culpado pelo “mecanismo”. E tem mais: A PF e os agentes do MPF são retratados como simpatizantes do PT (ou como queira, da esquerda – sério, ele os retrata assim na série), mas que o “dever” deve falar mais alto, e que, portanto, a “ideologia deve ficar de lado”. Mais ainda: Como uma Mãe Dináh, Padilha retratou o juiz Sérgio Moro de 2016 como um juiz parcial que só quis perseguir o Lula para se sobressair politicamente em algum cargo (estamos em 2019, mais anacrônico, impossível).
A série, nesta 2ª temporada, teve a desfaçatez de ignorar todas as manifestações pacíficas de 2016 que levaram milhões de pessoas de verde-amarelo às ruas pelo afastamento de Dilma Rousseff. Ignorou todos os milhões de motivos que as pessoas tiveram para irem às ruas e gritar “Fora Dilma”. Estas pessoas foram moídas pelo mecanismo de José Padilha de fazer série.
José Padilha não fez uma obra de ficção baseada em fatos nem uma obra de ficção. O que ele fez um panfleto político esquerdista. E dos piores.
Por Paulo Faria.
Paulo Faria é um amante do cinema de horror e rock ‘n’ roll. É professor por formação, humorista por conveniência e escritor por aspiração.