Este é um artigo ou crônica pessoal de Paulo Faria.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
O Éden é logo ali
Ao amigo Farley Rocha
Quando em meus ouvidos chegou a notícia que no Patrimônio da Penha, uma localidade a poucos quilômetros acima da cidade de Dores do Rio Preto/ES estaria ocorrendo um “Encontro Internacional de Hippies” denominado “Rainbow” (“arco-íris” numa tradução livre), e cujos freqüentadores são adeptos ao naturalismo, incluindo aí andar completamente nu; fui tomado (como qualquer outro) por certa curiosidade e muita incredulidade. Porém, meu olhar de desconfiança não me traiu, e, no dia seguinte, com a moto devidamente abastecida e com o irmão caçula na garupa como companhia, me aventurei a desbravar “o desconhecido”.
Sob o sol reluzente do alto verão e a música “Hear About It Later” do Van Halen que insistia em invadir-me a mente como uma amante possessiva persegue seu homem; cada curva da estrada aumentava minha ansiedade (que sempre está além do limite do aceitável), e me fazia acreditar que todos os comentários a respeito do famoso “encontro”, não passavam de uma lenda urbana (ou rural…). Mas, à medida que me aproximava do local, pequenos esboços ao redor daquela estrada bucólica, lançavam-me flashes do que viria enfim ao meu encontro.
E valeu à pena cada um dos 50 quilômetros percorridos: o fim da estrada apontava para o início da mata fechada com uma pequena placa artesanal pregada numa árvore, e nela a palavra “Rainbow” no destaque, e “Arco-íris” em letras menores. Era o lugar.
A longa fila de automóveis e um pedaço de bambu atravessado entre um extremo e outro do caminho, denunciavam que dali adiante deveríamos ir a pé. Já dentro da mata, a poucos metros à frente, um casal hippie recepcionava a todos os curiosos que chegavam, delineando na maior paciência e atenção, não regras, mas a melhor forma de se comportar dentro da “comunidade”. Questões como respeito ao próximo e à natureza foram calmamente explicitados num tom delicado e fraternal.
Depois de passar por essa etapa e mais alguns poucos passos, um segundo hippie, só que desta vez completamente nu, nos orientava através de um mapa desenhado num pano, como se locomover dentro da mata, como se comportar em caso de acidentes, e, na mesmíssima calma e atenção já descrita acima, reforçara a necessidade de ser politicamente correto com os demais e com o meio ambiente.
A partir daí, ao embrenhar por entre árvores, lentamente meu olhar de incredulidade dava lugar a um sentimento de estranheza ao ouvir sons oriundos do interior da mata de instrumentos como violinos, flautas e violões; a contemplar homens e mulheres nus sobre as pedras à beira da cachoeira; e das conversações dos que circulavam por ali, cujos idiomas iam do português ao inglês; do francês ao espanhol…
Com poucos minutos de estadia no local, a receptividade e atenção dos anfitriões me dissolveram todo o sentimento de estranheza, e no lugar, pouco a pouco, outros sentimentos mais nobres e que no dia a dia nem nos damos conta, iam se materializando: o da compreensão, o do respeito à individualidade, o do amor próximo e ao meio ambiente, o da fraternidade, o da cooperação e o da prática ao desapego.
Claro que, quanto ao desapego, este para muitos ali soava apenas de forma parcial, uma vez que paradoxalmente, barracas de camping feitas de produtos industrializados, carros movidos a petróleo e isqueiros faziam parte do kit obrigatório da maioria. Mas o que sobressai e que parece importar mesmo, é a ideologia e filosofia de vida com que cada um ali milita, mesmo que essa militância seja apenas em prol da própria liberdade.
No ar, uma atmosfera de paz originária talvez do encontro de diferentes etnias – mas com os mesmo propósitos -, me fez perceber como somos diferentes, mas principalmente, como somos tão parecidos: norte-americanos, latino-americanos e europeus. Como somos, apesar de toda a diversidade cultural, HUMANOS: com os mesmos anseios, desejos e aspirações.
Gestos de humanidade advindos, por exemplo, da argentina Florcita Concina que ao notar-me bestializado por todo o ambiente se ofereceu para apresentar ao meu irmão e eu todo o acampamento e depois se dispôs a ficar por mais de hora, sentados numa pedra, a conversar sobre educação inclusiva, política, geografia latino-americana e globalização; da italiana tímida Elanor Rizzi que está se esforçando com a língua lusitana; da alegria quase surreal de outro italiano, o Roberto; da calma e paciência em discursar do brasileiro Jean Barba; do desespero e frustração de um senhor russo em se comunicar com qualquer um de nós (talvez ele tenha dito привет, ou быть счастливой, mas é fato que ninguém o entendeu); do beijo e o abraço ultra apertado da americana Leahira, que hora nenhuma nos olhou com “olhar imperialista” e foi tão simples e educada como qualquer outro; e, sem usar de falsa modéstia, do esforço épico deste que vos escreve em conversar com um inglês de quinta categoria e um “portunhol” mais que vagabundo…
Mesmo com o cair da noite e da chuva, a volta pra casa parecia ser menos penosa e meu corpo mais leve, sereno. Coloquei-me a refletir que um pedacinho da felicidade poderia estar logo ali, no pé do arco-íris…
Paulo Faria
paulossfaria@yahoo.com.br
Paulo Faria é um amante do cinema de horror e rock ‘n’ roll. É professor por formação, humorista por conveniência e escritor por aspiração.