Este é um artigo ou crônica pessoal de Paulo Faria.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
*Publicado originalmente em 22/12/2014. Atualizado e revisado excepcionalmente para esta publicação.
Dedicado aos amigos:
Junior Santos
Dilpho Castro Oliveira
Marcelo Hayena
Quando abstraio algum tempo da minha vida para dissertar sobre algo, raramente escrevo na primeira pessoa. Sempre achei que escrever na primeira pessoa pode parecer muito pretensioso ou egocêntrico da parte de quem escreve, dependendo do assunto a ser abordado. É que às vezes suas emoções podem se sobressair demasiadamente intensa. Além disso, há o risco de através da incompreensão de terceiros sua mensagem pessoal e intimamente profunda, possa ser mal interpretada.
Porém, quando há acontecimentos expressivos relativos minha vida – e que também alcançam pessoas próximas a mim – parece-me ser necessário expelir através da escrita sentimentos das quais me flagelam. Neste caso, escrever na primeira pessoa se faz necessário, pois, se há alguém mais indicado para falar sobre você é você mesmo. Isso, se o indivíduo em questão tiver a capacidade (e/ou vontade) de fazer uma autoanálise.
E é neste ponto que desejo começar: quantas vezes paramos pra nos perguntar quem somos nós; o que nos faz ser quem somos; que tipo de pessoa procuramos ser; o que almejamos para nós e para outros que estão entre nós; e o mais importante: o difícil exercício de se colocar no lugar do outro. São perguntas simples, mas que nos ajudam a descobrir quem a gente é e a trabalhar para sermos melhores conosco, e, principalmente, com o outro.
É fácil? Não, não é, mas é extremamente necessário. A partir de alguns fatos, tenho percebido a futilidade que tem imperado num todo, mas principalmente nas relações pessoais. Hoje em dia ninguém tem mais apego a nada; vivemos numa era de vazio absoluto onde as relações afetivas são de vidro. Nada dura. As pessoas parecem estar levitando sobre uma aura de letargia que anestesia suas capacidades de criarem alicerces sólidos, raízes profundas. Estamos numa crise – fruto da Modernidade – onde as pessoas trocam umas pelas outras como se fossem apenas objetos de desejo e consumo e as descarta depois de “não servirem mais”. As relações humanas estão frágeis. É exatamente o que o Sociólogo polonês Zygmunt Bauman diz em seu livro “Amor Líquido”:
“É um mundo de incertezas. Temos relacionamentos instáveis, pois as relações humanas estão cada vez mais flexíveis. Acostumados com o mundo virtual, e com a facilidade de se “desconectar” as pessoas não conseguem manter um relacionamento de longo prazo. O romantismo do amor parece estar fora de moda. O amor de verdade foi banalizado, diminuído a vários tipos de experiências vividas pelas pessoas, na qual se referem a estas utilizando a palavra amor. Não existem mais responsabilidades de estar amando. A palavra amor é usada mesmo quando as pessoas nem sabem direito seu real significado”.
Agregados a isso que Bauman escreveu, vem a crise da arte, a crise moral, a crise familiar, a crise social, e a importância com que é mais fugaz e estéril. De novo, a futilidade.
E quem somos nós? Eis a questão. As pessoas são incapazes de parar, olhar para o espelho e fazer uma autorreflexão. São incapazes de responder às perguntas que escrevi no terceiro parágrafo. Mas para estas, na primeira pessoa e sem o pudor de parecer prepotente eu respondo: nós somos aquilo que construímos, o que comemos, os lugares que frequentamos, os livros que lemos, as músicas que ouvimos, as pessoas que escolhemos pra nos rodear, ou seja, somos toda a estrutura sociocultural que erguemos durante a vida. Este sou eu. Este é você. Este é aquele ponto de chegada que te faz descobrir quem realmente você é; é o ponto o qual se define sua verdadeira essência como ser humano; o que te faz ser singular, um ponto único no universo. Depois disso, nada mais tem tanta importância, pois sua personalidade e os seus valores já estão devidamente moldados: se alguma coisa a mais vier e for boa, agrega-se; se não for, descarta-se. Quanto ao resto (que ainda não olharam para o retrovisor) sobra a frivolidade, o corpo vazio, a superficialidade, a incapacidade de manter algum vínculo verdadeiro com alguém ou alguma coisa. (E quando digo “alguma coisa”, não estou me referindo a um corpo sarado de academia ou a um celular de última geração). Dançam conforme a música de suas conveniências; são voláteis e até perigosas do ponto de vista moral.
Dito isto, finalizo: meu oxigênio são as relações substanciais. É disso que eu descobri que realmente preciso. Quando amadurecemos, as coisas superficiais já não nos preenchem mais, e isso implica em não ter paciência nem estrutura para amores de carnaval, amigos de conveniência ou festas popularescas. Acho que aquilo que chamam de felicidade, pra mim só tem sentido se forem duradouras: do amor à menor conquista. Que entre na minha vida só o que vai amadurecer, envelhecer e eternizar.
Este sou eu.
Por Paulo Faria.
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Paulo Faria é um amante do cinema de horror e rock ‘n’ roll. É professor por formação, humorista por conveniência e escritor por aspiração.