Laura Cabral Torres

Este é um artigo ou crônica pessoal de Laura Cabral Torres.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

Sobre encontrar ‘A Amiga Genial’

Dentre tantas opções de série hoje em dia, quais valem mesmo a pena dar play?

Publicado em 28/11/2024 - 17:04    |    Última atualização: 28/11/2024 - 17:04
 

Das dificuldades de poder assistir um filme ou uma série, a acessibilidade não parece ser mais uma delas. Se 20 anos atrás o cidadão médio brasileiro só via as novelas da Rede Globo, e as séries e sitcoms ficavam reservadas a quem pudesse pagar canais por assinatura, em 2024 a maioria da população sabe o que é uma série e está assistindo à mais falada do momento. A dificuldade mudou de acesso para qualidade. Procurar uma série nova para fidelizar por algumas semanas ou meses tem sido motivo de angústia: dentre tantas opções, quais valem mesmo a pena dar play?

Por isso ter encontrado A Amiga Genial (HBO Max) foi uma surpresa tão grande, apesar de minha relutância pessoal em ceder para capas de filmes ou séries que estejam em tom sépia (um efeito de temporalidade à imagem: a série se passa no pós Segunda Guerra Mundial). Maior ainda foi ler o nome de Elena Ferrante nos créditos e descobrir que a série, que começava a me prender, era uma adaptação da famosa desconhecida autora italiana.

A trama segue a vida de Lenu e sua amiga, Lila, que crescem em um bairro pobre de Nápoles. O fascínio que atrai a narradora (que se propõe quando idosa a reconstruir a história da dupla para desmascarar a persona da amiga) por Lila acontece na escola, quando a professora a elogia pela rapidez e inteligência matemática. Elas se aproximam e se tornam inseparáveis, a ponto de Nino, um colega da escola, dizer anos mais tarde a Lenu que gostaria de namorar com ela para estar sempre perto das duas.

A educação como marcador de diferenças de classe é um dos grandes temas da série, e um grande desconforto entre as duas amigas, que fará com que ocupem posições de antagonistas muitas vezes. Lenu é permitida pelos pais a continuar os estudos, mesmo que com bastante resistência da mãe; enquanto Lila chega a sofrer violência quando insiste ao pai que a deixe continuar a escola – numa cena dolorosa e impactante de uma criança magra e vulnerável sendo jogada da janela. Embora ambas as famílias argumentem que por suas condições socioeconômicas não podem arcar com os estudos das filhas, a família de Lenu encontra um jeito para isso, e a de Lila, não. Por isso, seus caminhos começam a se bifurcar, mas Lenu permanece sempre fortemente conectada à amiga.

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O propósito da narradora de demonstrar uma inteligência calculista e maléfica na amiga resulta, a partir da revelação de seus próprios pensamentos, na complexidade das duas, tornando ao espectador impossível colocar uma em posição de mocinha e outra em posição de vilã. Ambas são vitimadas pelo meio. A masculinidade violenta, característica dos homens daquela comunidade, como a exemplificada pela reação do pai de Lila à insistência da filha pelos estudos, atravessa as experiências das duas.

O que salva Lenu de vivenciar a violência doméstica são suas oportunidades de estudo, enquanto Lila se casa jovem e vivencia um casamento infeliz. Quanto mais Lenu se envolve com professores e acadêmicos de seu novo meio social, mais as diferenças entre ela e Lila aumentam, esta ficando confinada à vida ao lar. Apesar das diferenças de Lila com o marido que não ama, ela se une a ele quando se vê excluída do mundo intelectual de Lenu, marcando assim a diferença de mundos que Lenu habita: de um lado o bairro empobrecido, cinzento e violento; de outro, o centro próspero, colorido e educado.

A complexidade tanto da narrativa quanto da construção das personagens, presente na série também pelo voice-over da narradora que revela sentimentos, impressões e julgamentos, deixando-nos íntimos dela, e pela atuação magnífica de Margherita Mazzucco (Lenu adolescente/jovem adulta), que representa uma personagem que se cala quando queria gritar, dão à série a sua magnitude, permitindo ao espectador se reconhecer na raiva, na inveja, na tristeza e no orgulho que Lila e Lenu sentem. Vale cada minuto de seus longos (ainda bem!) episódios, e certamente deixará saudade, já que a quarta e última temporada saiu no streaming esse ano. Definitivamente foi a melhor descoberta de 2024.

Sobre Laura Cabral Torres

É professora de linguagens. Tem interesse em narrativas ficcionais - romances, filmes e séries. É mestre em Estudos Literários com foco em crítica feminista e de gênero.


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