Laura Cabral Torres

Este é um artigo ou crônica pessoal de Laura Cabral Torres.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

Quando o réveillon emendou na Copa do Mundo

O prêmio de Fernanda Torres na categoria de melhor atriz em filme de drama no Golden Globes tomou o povo brasileiro de uma emoção patriótica compartilhada.

Publicado em 23/01/2025 - 16:03    |    Última atualização: 23/01/2025 - 16:08
 

Fernanda Torres com o Golden Globe, em 06 de janeiro de 2025.

Aqui no Brasil, parece que o réveillon emendou na Copa do Mundo. O prêmio de Fernanda Torres na categoria de melhor atriz em filme de drama no Golden Globes, que aconteceu no domingo, dia 05, tomou o povo brasileiro de uma emoção patriótica compartilhada.

Isso tem explicação, que ultrapassa a categorização de síndrome de vira-lata. Não é que precisávamos ver um filme brasileiro valorizado por norte-americanos para darmos valor a ele, mas é que a partir dessa valorização nos mostramos para o globo.

Porque, justamente para quem tem síndrome de vira-lata, nada que é brasileiro presta. As roupas não prestam, as praias não prestam, a comida não presta, a música não presta, o filme não presta. E essa ideia largamente reverberada tem como um dos motivos o fato de estarmos na periferia do mundo. Essa posição periférica tem efeitos sociais e econômicos muito mais drásticos do que apenas não sermos aceitos como produtores de bens simbólicos de excelência, no entanto, não focarei nisso agora.

Sobre essa nossa inserção no centro com a representação que Fernanda Torres e o filme de Walter Salles, “Ainda Estou Aqui”, fizeram naquele domingo, vale comentar o aspecto linguístico do discurso improvisado e cheio de vida da atriz.

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Em um inglês gramaticalmente e foneticamente “correto”, Fernanda Torres começou seu discurso dizendo que não havia preparado nada, porque só de ter sido indicada já estava feliz. E mesmo com todo o nervosismo da emoção do momento e do improviso necessário, se fez entender belamente, sem precisar parecer estrangeira – estrangeira aos brasileiros, quero dizer.

Seu sotaque nada imitava um inglês norte-americano ou um britânico (para mencionar os países mais lembrados quando se pensa na língua do tio Sam e da Rainha Elizabeth). Ela falava um inglês com sotaque brasileiro, e isso também deu muito orgulho, porque ela não precisou fingir o que não era para ser ouvida por Viola Davis, Nicole Kidman e Tilda Swinton.

Há um artigo da professora Dra. Ana Maria Barcelos, em que ela questiona “What’s wrong with the Brazilian accent?” (“O que há de errado com o sotaque brasileiro?”). Nesse artigo, ela coleta e analisa notícias de jornais e propaganda de cursos de inglês que prometem que o(a) aluno(a) saia falando “como um nativo”. Essa ideia largamente difundida no ensino de línguas no Brasil por muitas décadas também tem muito a ver com a síndrome de vira-lata e com o problema da identidade. Falar como um nativo seria se camuflar entre os falantes de inglês, parecer ter outra nacionalidade que não a brasileira, que não transpassaria pela fala (esse tiro sai pela culatra. “Bacurau” exemplifica bem!).

Portanto, ver uma das nossas ser aclamada em um local de destaque e prestígio mundial, sem precisar camuflar quem ela é, é viver a Copa do Mundo adiantada, tamanho o orgulho que uniu o povo brasileiro aquele dia.

Agora, aguardemos a cerimônia do Oscar, para o qual ela também está indicada à categoria de Melhor Atriz, e o filme, “Ainda Estou Aqui”, à categoria de Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro.

Bravo, Fernanda Torres!

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Sobre Laura Cabral Torres

É professora de linguagens. Tem interesse em narrativas ficcionais - romances, filmes e séries. É mestre em Estudos Literários com foco em crítica feminista e de gênero.


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