Farley Rocha

Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

Um dia comum na Forquilha do Rio

Estão a 1.400 metros de altitude, na barra norte da Pedra Menina, cujas condições climáticas e geográficas favorecem o padrão de alta qualidade do café que produzem.

Publicado em 01/09/2022 - 15:07    |    Última atualização: 01/09/2022 - 15:07
 

Ainda não são 5h quando Melquíades se levanta. Salustiana, já acordada, encaminha-se à cozinha para acender o fogão a lenha. Os meninos dormem, falta muito para que o ônibus escolar buzine à porta.

Lá fora, a neblina derramada nas montanhas polvilha de branco os cafezais e a estrada até que o sol a dissipe por completo.

Com a caneca numa mão e a broa na outra, Melquíades repassa o longo dia que terá antes de se dirigir ao paiol onde estão os utensílios de trabalho – a colheitadeira mecanizada, o balaio, a garrafa térmica e o sombreiro de palha. Ele, a mulher e os vizinhos, neste momento, preparam-se para a jornada que se repete desde seus pais e avós, e que certamente se estenderá aos filhos e netos: o cultivo de café nas encostas entre Minas Gerais e Espírito Santo.

“No meu tempo de pequeno”, ele pensa enquanto organiza as ferramentas, “o serviço era na base do braço. Mas agora tem maquininha pra derriçar, tem moto, tem financiamento do governo, tem tudo.”

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Quinze anos atrás, a Forquilha do Rio não passava de um cantão remoto invisível nos mapas. Só subia a serra quem morava ali, ou aventureiros rumo ao Pico da Bandeira. Mas hoje, com o advento dos cafés especiais o local vem se tornando a cada dia o metro quadrado mais valorizado da região, com empreendimentos de pousadas e restaurantes que fazem do lugar uma espécie de Suíça brasileira. Por isso, Melquíades e sua família não perdem a oportunidade. Até abriram uma cafeteria rural na varandinha da frente para atender os turistas.

Quando o ônibus chega para apanhar os filhos, Melquíades já está na CG-125 em direção à lavoura. O caçula, que cursa o segundo ano do Fundamental, sonha em jogar no Flamengo ou pilotar helicópteros; o mais velho, que completa dezessete mês que vem, fala em Agronomia depois do Ensino Médio para juntar conhecimento à prática na roça do pai.

É sobre o futuro deles que Melquíades pensa ao encontrar os companheiros no cafezal. A esta hora, o sol que já despontou da cordilheira aquece suas mãos calejadas e embevece de luz o Vale do Paraíso. Estão a 1.400 metros de altitude, na barra norte da Pedra Menina, cujas condições climáticas e geográficas favorecem o padrão de alta qualidade do café que produzem. Como a colheita dos grãos especiais já foi feita a mão, o talhão restante pode ser derriçado a máquina – e assim, o rumor dos motores ecoa feito enxames de abelha difusos pelos grotões.

Lá do alto, ele avista o terreiro de casa onde Salustiana, diligente, passa a maior parte do dia. Antigamente acompanhava o marido nas lavouras. Mas agora, devido à atenção que a safra exige, é ela quem cuida da secagem do café nas estufas de PVC, selecionando os grãos por tamanho, medindo a temperatura, conferindo o nível de fermentação. E, depois do almoço, quando os meninos retornam da escola, o mais velho a auxilia neste minucioso trabalho enquanto ela se desdobra com os afazeres da cafeteria. Final de semana receberão um grupo de Vitória e outro de Belo Horizonte, por isso prepara bolos e tortas para dar conta da demanda.

No fim do expediente, ao ensacar a colheita do dia, Melquíades lembra a turma que amanhã não subirá a lavoura. É que logo cedo irá aos correios de Espera Feliz despachar vinte quilos do microlote da safra anterior, o mesmo que tirou o quarto lugar no campeonato nacional do ano passado. Graças a esse título, pôde vender café com o rótulo do seu sítio para Londres, Amsterdã, Tóquio, e o de amanhã chegará pela primeira vez a Sydney, na Austrália. “Devagar vamos ganhando o mundo” – ele reflete, satisfeito. Tanto que, na próxima semana, uma equipe de televisão visitará sua propriedade. Será a quinta vez que concede entrevistas para falar da arte dos cafés especiais.

O dia vai terminando na Forquilha do Rio com o sol de inverno matizando de sépia as montanhas ao redor. De volta à casa, Melquíades confere as estufas de onde exala o doce fermentado do café cereja por todo o terreiro. Da janela, a mulher e os filhos lhe acenam avisando que a janta está pronta.

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Enquanto caminha para dentro depois de mais um dia exaustivo, Melquíades agradece em silêncio pela família que tem, pelo lugar onde vive e pelo ofício que lhe garante o pão. Porque sabe que o fruto do seu trabalho é resultado de sua luta e de sua história – em cada grão que colhe, em cada xícara que degustamos, aqui ou do outro lado do mundo.

Por Farley Rocha.

Sobre Farley Rocha

Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com


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