Farley Rocha

Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

São Sebastião

Por ser Santo, simplesmente ilumina. Por isso, sabe que os tambores da Major Pereira à sua frente, as orações quase-meditação do Centro Kardecista à direita e os cânticos de louvor da Presbiteriana à sua esquerda são diferentes canais de um mesmo fluxo ecumênico.

Publicado em 21/02/2020 - 13:53    |    Última atualização: 21/02/2020 - 13:53
 

Sebastião está lá no campanário da Igreja Matriz cumprindo com sua nobre função de ser Santo, tão nobre quanto a função de um Sebastião padeiro, um Sebastião pedreiro ou um Sebastião lavrador.

Protegido das intempéries em seu oratório de tijolos vazados, ele nos olha do alto não por pertencer à classe dos que são divinos, mas por seu humilde e honrado dom da proteção, velando pelos pedestres, motoristas, crianças e bêbados que passam distraídos na avenida cá embaixo.

Silencioso e resignado quanto às flechas de seu calvário, Sebastião deve pensar em sua trajetória de 1.800 anos, quando na Roma antiga de seu tempo desafiou imperadores pela confiança inabalável de sua fé. Deve pensar nas catedrais medievais erguidas em seu nome, nas gerações de romarias que buscam por sua graça e nas preces que recebe entoadas em diferentes idiomas. Por fim, Sebastião deve pensar em como cruzou oceanos bravios, florestas selvagens e montanhas primitivas para chegar até aqui, na qualidade de padroeiro da modesta Espera Feliz – “o ânimo da Santidade não se mede”, é o que diria.

O fato é que de sua morada, de onde a vista privilegiada alcança quase todas as janelas da cidade, Sebastião vigia não só por devotos e beatos, mas também por quem nem sabe qual nome os católicos o chamam. Porque a luz que dimana de seus tristes mas corajosos olhos enseja sem distinção de crédulo, classe ou cor. Por ser Santo, simplesmente ilumina. Por isso, sabe que os tambores da Major Pereira à sua frente, as orações quase-meditação do Centro Kardecista à direita e os cânticos de louvor da Presbiteriana à sua esquerda são diferentes canais de um mesmo fluxo ecumênico – e desses cultos sente que sua luz não diminui, mas fortifica.

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Não importa se em missas de batizado ou de sétimo dia, manhãs ensolaradas de segunda ou em tardes nubladas de sábado, em invernos austeros de junho ou primaveras coloridas de setembro, Sebastião se mantém firme ao propósito de seu martírio, abdicando do eterno repouso para acalentar provações de homens e mulheres. Observado pelos que sinalizam a cruz ao passarem diante das escadarias e pelas maritacas que dormem sobre as árvores em frente à Prefeitura, Sebastião se revela um exemplo, alguém que transformou os próprios pecados em motivos para se praticar o bem.

Mas nas madrugadas escuras e geladas de Espera Feliz, quando percorre alerta os mais íntimos labirintos de nosso sono, Sebastião deve ter tempo de prosear com o Mestre de suas convictas devoções: Jesus Cristo crucificado entre as paredes do altar. E sobre o rumor gregoriano de apóstolos e arcanjos pelos bancos da igreja, o badalar do sino marcando as horas na torre ressoa num encorpado eco entre as conversas que ele tem com Cristo e o silêncio do teto abobadado do templo vazio. Mesmo que não notemos, suas vozes podem ser ouvidas na mesma língua que nos comunicam os sonhos.

No último dia 20 de janeiro foi comemorado seu dia. Talvez nem todos de Espera Feliz tenhamos nos lembrado dele, entretidos em afazeres de um oportuno feriado. Mas Sebastião, do alto de seu campanário divino, com certeza se lembrou de cada um de nós.

Por Farley Rocha.

Sobre Farley Rocha

Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com


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