Farley Rocha

Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

Rinha de cães e uma guerra civil não reconhecida

Enquanto brigamos feito vira-latas perdidos, o país enfrenta um conflito entre poderes que extrapola o mundo político.

Publicado em 23/03/2018 - 09:10    |    Última atualização: 23/03/2018 - 09:10
 

Ilustração: João Pinheiro (@joao.pinheiro) / IG

Durante quatro séculos e meio Angola foi colônia de Portugal. Só em 1975, depois de um fatídico conflito armado, é que o país africano conquistou sua independência e passou a ter autonomia política sobre seu próprio território.

Esta conquista simbolizava para os angolanos um novo recomeço, em que poderiam implantar livremente os ideais e projetos que sempre sonharam para sua nação. Mas a emancipação se desdobrou em consequências devastadoras, quando grupos opositores racharam o país em norte e sul e declararam uma sangrenta guerra civil que se arrastou por quase 27 anos.

Resguardando as devidas diferenças, no Brasil ocorre algo semelhante. Mesmo que nossa independência tenha sido declarada há quase dois séculos, nossa história recente se enveredou por labirintos políticos incertos, conduzindo o país à atual situação de desordem onde paira uma pegajosa sensação de incertezas quanto ao futuro.

Enquanto que em Angola as diferenças de ideias entre grupos eram muito claras e objetivas, aqui vivemos um conflito cujo motivo é sombrio e nebuloso. O que fica nítido é que no meio desta confusão há pelo menos dois rachas distintos: a briga partidária pela conquista e/ou permanência no poder e a briga ideológica que divide a sociedade.

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O primeiro caso é exatamente o que é pintado pelos noticiários. Partidos tradicionais, com estrutura semelhante às grandes empresas nacionais, negociam favores, tráfico de influência e liberação de verbas para apoio dos parlamentares num absurdo esquema de alianças que não se aproximam em nada dos reais interesses da população. Assim, o congresso é uma espécie de rinha onde o alto escalão desses partidos são como cães de raça apurada lutando entre si num embate mortal que mistura força, poder, vaidades e conveniências.

Já o segundo caso é onde nós, o povo, entramos. Ficamos ao redor dessa rinha apostando em cachorros doidos que lutam a garras e presas enquanto espumam bobagens pela boca em entrevistas tão evasivas quanto teatrais. E neste banzé ideológico que polariza os cidadãos em vagos conceitos de “direita” e “esquerda”, nossos argumentos, que expressamos sem um pingo de pudor em redes sociais, nos rebaixa (ou nos iguala) aos cães menores que latem pateticamente quando não reconhecem o chefe da matilha.

Sim, a metáfora canina talvez pareça exagero. Mas não é exagerado dizer que enquanto brigamos feito vira-latas perdidos, o país enfrenta diariamente um conflito real entre poderes que extrapola o mundo político. No último ano, sessenta mil assassinatos foram registrados no Brasil (os EUA perderam cinquenta mil soldados em toda a Guerra do Vietnã). A violência desencadeada pelo tráfico de drogas faz vítimas que sucumbem as mortes dos conflitos da Síria. As milícias e facções criminosas brasileiras geram lucros tão altos que fariam inveja no cartel do Senhor Pablo Escobar.

Embora não reconheçamos, diante das estatísticas é indiscutível que o Brasil vive hoje uma verdadeira guerra civil sem precedentes. Enquanto que os embates políticos, em meio a escândalos de corrupção e descasos com o poder público, são cada vez mais constrangedores e distantes da nossa realidade, o crime organizado desfila seu armamento de artilharia pesada nos morros e no asfalto e, no fim das contas, as vítimas somos todos nós, que gastamos o tempo nos ofendendo em argumentos que não valem à pena.

Mas, diferente da história de Angola, em que o motivo pelo qual se lutava era bastante claro para governistas e rebeldes, aqui a guerra civil não possui um objetivo preciso, ao constatarmos que os conflitos são de partidos contra partidos, milícias contra o Estado, facções contra a polícia, políticos contra o país e, o pior de todos, o povo contra o próprio povo – como se fôssemos uma nação de estrangeiros sem pátria, sem projetos e sem sonhos em comum.

Por Farley Rocha.

Sobre Farley Rocha

Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com


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