Farley Rocha

Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

Reflexões de boteco no Rio de Janeiro

Enquanto os faróis nos iluminam sob as sombras das castanheiras, nosso grupo conversa trivialidades de sábado à noite e bebe Amstel.

Publicado em 16/03/2018 - 12:39    |    Última atualização: 16/03/2018 - 12:42
 

São 19:35h no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro. Estamos no Bar Super Guanabara, um boteco na esquina da rua Félix da Cunha e avenida Conde do Bonfim. Sentados ao redor de duas mesas plásticas com propaganda da Itaipava, entre outras espalhadas pela larga calçada à margem da avenida, assistimos ao (já para lá de clássico clichê) jogo do Fla x Flu, exibido pela TV de led acima do balcão.

Enquanto os faróis que zunem em sentido único nos iluminam sob as sombras das castanheiras, nosso grupo de amigos, composto por mineiros e cariocas, conversa trivialidades de sábado à noite e bebe Amstel – não por ser moda consumir cerveja importada, mas por valer o custo/benefício em relação às marcas nacionais.

Entre o ruído das buzinas e o som de Hear Me Now do Alok tocando no smartphone da mesa ao lado, ouvimos um estrondo vindo de qualquer canto obscuro da Cidade Maravilhosa. Interrompemos os risos e questionamos a procedência da explosão: rojão? granada? dinamite em caixas eletrônicos?

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É quando o grupo começa a falar sobre a recente intervenção federal no Rio de Janeiro. Entre opiniões dos que defendem e dos que contestam a medida assinada pelo Vampirinho de Brasília, chegamos à conclusão unânime de que pouco importa combater o crime da cidade (e do resto do país) se as principais medidas intervencionistas não forem tomadas em caráter de urgência em favor da sociedade. O grupo argumenta: investimentos sérios em educação e saúde; reformas tributária e política; desburocratização para novos empreendimentos; e a discussão racional, apartidária e sem preconceitos sobre novas políticas antidroga no Brasil.

Antes de trocarmos de assunto, outro estrondo de igual proporção é ouvido. Na TV, o Fluminense faz 1 x 0.

Pedimos outra cerveja e pechinchamos ao vendedor de amendoim três cones por 10 reais. Depois, perguntamos aos amigos cariocas como anda a qualidade de vida para quem mora no Rio. Como são jovens – o único ancião de 35 anos de idade à mesa, no caso, sou eu – todos falam das possibilidades de entretenimento que a cidade oferece, desde os bares badalados da Lapa e as praias de Copacabana/Ipanema aos shoppings do Leblon e os frequentes shows internacionais no Maracanã. “Fora os custos, que são astronômicos, a sensação de constante insegurança nos prende cada vez mais em casa”, explica um deles enquanto ouvimos um terceiro estrondo – Fluminense 2 x 0.

A banda mineira da mesa complementa a pauta explanando acerca de Espera Feliz, tanto do nosso melhor quanto do pior. Falamos das cachoeiras, das novas cafeterias, dos bares da Rua Henrique Gripp e de que, apesar de poucas oportunidades de trabalho, a cidade ainda conserva, de certo modo, suas principais virtudes interioranas de civilidade, respeito ao próximo e, principalmente, a segurança de se caminhar à noite sem a iminência de sofrer arrastões ou assaltos à mão armada – ao que os companheiros cariocas observam: “houve um tempo em que o Rio era assim, mas foi lá pelos anos de 1930”, ironiza um deles deixando transparecer um pingo de inveja no canto dos lábios.

Enquanto o garçom nos serve outra Amstel, o Fluminense faz 3 x 0, seguido de mais um estrondo que, a essa altura, já nos soa tão comum quanto o hálito abafado desta noite de sábado.

Para os cariocas, assim como para todos nós que turistamos na cidade grande, a situação de violência no Rio de Janeiro tornou-se tão corriqueira que a percepção da inversão de valores é cada vez mais nítida: o “medo” sobressaindo à “tranquilidade”, a “esperança” sucumbindo ao “apocalipse” e a “desconfiança” arrasando com a “fé no homem”. Uma cidade vencida pelo paradoxo onde o “anormal” é comumente aceito com “normalidade”.

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Pouco antes de pedirmos a conta, um transeunte nos alerta de um assalto que acontece neste exato instante em uma das lojas da rede Americanas Express, na outra margem da Conde do Bonfim, a cinquenta metros de nós. Segundos depois, dois meliantes saem em disparada do estabelecimento e trepam, cada qual, na garupa de duas motocicletas que os aguardam à beira da calçada. E aceleram avenida a fora.

Cá nas mesas do Bar Super Guanabara, como se nada tivesse acontecido, todos retornam às suas cervejas e voltam seus olhares para a TV de led sobre o balcão, onde o Fluminense faz 4 x 0 em cima do Flamengo – e um último estrondo indecifrável ecoa por entre as ruas “normais” do Rio de Janeiro.

Por Farley Rocha. Foto de Cesar Augusto.

Sobre Farley Rocha

Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com


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