Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
(À memória do professor Sidinho)
Quando um amigo se vai, o espaço vago que fica no lugar é maior do que a capacidade que temos para sentir. Porque quando um amigo se vai, junto com ele também se vão o pai atencioso, o marido amoroso, o filho carinhoso, o irmão afetuoso, o tio cuidadoso e mais uma dezena de gente contida em uma mesma pessoa.
Mas quando um amigo que se vai é professor, são seus alunos que talvez melhor compreendam o tamanho da perda. Porque na frente da classe, a figura do professor não deixa de representar um pouco a figura do pai (e da mãe), do filho, do irmão, do tio e, claro, do amigo.
E quando o amigo professor que se vai leciona Matemática, sua história fica ainda mais cristalizada na memória dos estudantes. Pois para quem calcula com facilidade, a sensação é a de ter recebido do mestre as chaves para desvendar mistérios; já aos que não racionalizam o mundo pelo viés das ciências exatas, permanece viva na lembrança a paciência que só matemáticos têm para ensinar números.
Fosse o amigo que se vai professor de Artes, veríamos suas lições no desenho que as nuvens rabiscam no céu. De Física, suas aulas continuariam na extensão da pele ao sentirmos o calor do sol. De Português ou Literatura, poemas seriam declamados quando víssemos no horizonte o raiar da lua. Mas sendo ele professor de Matemática, basta-nos apenas uma noite clara, pois cintilando oculto na escuridão do Cosmos, o amigo estará nos contando estrelas.
Embora o amigo que se vai prossiga irremovível de nossa essência, persisti-nos o pesar pelo amigo não mais poder brilhar os olhos com a beleza do mundo, não mais dar risadas com os amigos que ficam, não mais aquecer o abraço da pessoa amada, não mais vibrar com conquistas que o futuro trará aos filhos, não mais retribuir com simpatia o humor dos que não estejam no melhor dos dias.
Contudo, ainda que o amigo que se vai apague consigo o universo que erigiu, permanecerá em nós a parte do nosso universo que sua amizade, dia após dia, nos ajudou a construir. O amigo que se vai nos deixa muito mais que uma palavra, uma história ou um aperto de mãos. Se não somos incólumes à despedida, porque haveríamos de ser intactos ao seu convívio?
E é justamente isto o que fica depois que prematuramente se vai um amigo: a saudade de tudo que poderia ter sido, o sentido de um conselho nos momentos difíceis, a piada atravessada nas conversas informais, o cumprimento forte no começo de cada dia e o até logo animado no final de cada tarde. Porque se o destino e o acaso não tivessem nos permitido, seríamos menos nós mesmos se nunca tivéssemos nos conhecido.
Pois o amigo quando é amigo nos contagia de humanidade, respeito e carinho. Através dele é que sentimos mais leve o peso da vida e aceitamos melhor as lágrimas da partida. E do pai, do filho e do marido que juntos compõem a imagem do amigo, despedimo-nos com a tristeza da perda, mas também com a alegria de termos coexistido.
Por isso, o canto vazio deixado quando se vai um amigo não significa ausência, mas um espaço preenchido por lembranças como um rastro inesquecível de luz que um dia, em vida, nos iluminou a presença do amigo.
Por Farley Rocha.
Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com