Farley Rocha

Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

Livros

Talvez haja mesmo algum mistério nessa coisa de palavras, um quê de revolucionário nas histórias e poemas.

Publicado em 09/08/2023 - 13:30    |    Última atualização: 09/08/2023 - 13:30
 

(Gerado por Inteligência Artificial)

Li na Revista Seleções que os livros nos permitem experiências semelhantes às de uma viagem. Pois quando lidos na época e na idade certas, podem nos moldar a personalidade, a percepção de realidade e até o nosso caráter.

Como filmes, séries, certas novelas e determinadas músicas ou discos, há livros que têm o poder de entremear nossos neurônios e efetuar transformações tão profundas que, depois de atravessar suas páginas, nunca mais voltamos ao que éramos.

Porque “os livros são objetos transcendentes”, já dizia Caetano. E talvez haja mesmo algum mistério nessa coisa de palavras, um quê de revolucionário nas histórias e poemas, que por alguma eventual ação do acaso nos faz outro, nos acrescenta uma nova visão sobre o que antes era oculto. Por exemplo – e aqui desço à mais remota das lembranças literárias –, Chapeuzinho Vermelho: quem não traz na memória de infância esta fábula de cunho tão lúdico e pedagógico? O fato

de descobrirmos uma floresta, uma menininha, um lobo e uma vovó, de algum modo construiu-nos na teia da imaginação cenários e valores que levamos para a vida toda.

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Ou, particularmente para nós brasileiros, o universo fantástico de Monteiro Lobato. O Sítio do Pica-Pau Amarelo – com a boneca de pano, um sabugo falante e o Saci-Pererê interagindo numa fazenda – engendra na maneira de assimilarmos em nossa cultura a riqueza do folclore que nos define como povo. Além do mais, todos nós – por nós mesmos ou por intermédio de familiares – temos raízes muito bem fincadas na roça, cuja expressão mais legítima se percebe nos sotaques e na culinária como se nossa identidade se confundisse com as palavras de Lobato.

Mas à medida em que amadurecemos, e consumimos textos de trama mais complexa, vamos ampliando pelo arcabouço da leitura outras formas de perceber o mundo,  múltiplas maneiras de compreender o que nos cerca. Então, se Capitu traiu ou não Bentinho é o que menos importa diante da aristocracia carioca do século XIX ironizada na pena de Machado de Assis; assim como o Policarpo Quaresma de Lima Barreto ajuda a explicar o patriotismo tacanha do Brasil atual.

Como exemplo pessoal, tenho na cabeceira o mítico Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. Conhecer a saga dos Buendía é, em certa escala, desvendar um pouco de nossa própria história, já que é nítido identificar em qualquer família a determinação de Úrsula nos gestos de uma avó, os devaneios do patriarca José Arcádio na voz de um avô, as narrativas extravagantes de Melquíades nas conversas de um vizinho – além de que traços de Macondo podem ser vistos na rua onde moramos ou mesmo na geografia de um continente inteiro.

Não há como sair impune quando se termina esse ou qualquer outro livro. Quem se atreveu a andar de mãos dadas com Joana em Perto do Coração Selvagem sabe que a literatura de Clarice Lispector – como a do colombiano – é irreversível: uma vez decifrada, jamais será esquecida.

O mesmo acontece ao mergulhar nos poemas. Quando se conhece o fatalista “José” de Drummond, o desafortunado “João Gostoso” de Bandeira ou o inquebrantável “Galo” de Gullar, percebe-se que a linha tênue que separa poesia e vida é a mesma que os poetas costuram para uni-las. Pois cada verso que lemos, cada metáfora que desvelamos é uma experiência inédita que adquirimos, uma vivência única que a palavra permite. Sem essa força estranha que é a literatura tudo pareceria mais estreito.

É por isso que os livros são um meio de alargar nossos caminhos. O preto e branco das páginas nos apresentam bosques, ruas e jardins desconhecidos que percorremos a pé, no ritmo de um passeio que nos inspira, nos fascina e nos ensina a ver o mundo como quem se aventura por lugares bem longe de casa.

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Por Farley Rocha.

Sobre Farley Rocha

Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com


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