Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Aos queridos Paulinha Gomes, Cesar Augusto e Marley
É domingo e é Rio de Janeiro. Estamos na sala de um sobrado dos anos 50 na Tijuca, Zona Norte da cidade. Samba, rock e MPB ecoam da JBL portátil e preenchem o ambiente entre vozes de sotaques mineiro e carioca da galera que gargalha enquanto faz selfies – ao fundo de cada foto, latas de cerveja, Red Bull e cinzeiros sobre a mesa denunciam o motivo da reunião: é o esquenta antes do show do Foo Fighters, no Maraca!
Devidamente sorridentes e alegres, despedimo-nos do Marley (o cão gentefina do casal anfitrião) e trancamos a porta em direção à rua, onde o Uber nos aguarda.
Chegamos ao estádio juntamente com o cair da noite abafada. Unimo-nos à horda de fãs que caminham rumo aos portões de entrada sem darmos conta de que centenas de PMs e viaturas coruscantes fazem a nossa escolta em uma cidade sitiada pelo crime que já atinge níveis absurdos de organização.
Adentramos o gramado da arena sagrada do futebol no exato instante em que Queens Of The Stone Age – a banda californiana que faz a abertura da turnê sul-americana do FF – inicia sua apresentação com If I Had A Tail. Depois disso é só pedrada em cima de paulada. Os integrantes do QOTSA, entre bastões de led e uma turva fumaça de gelo seco, fazem reverberar para fora das gigantescas abóbadas do Maracanã 1:15h do melhor stoner rock que a Cidade Maravilhosa já ouviu: My God Is The Sun, No One Knows, The Lost Art of Keeping a Secret e a incrível I Sat by The Ocean aquecem o corpo e os tímpanos dos quase 50 mil espectadores que aguardam o melhor que esta noite ainda tem a oferecer.
Mais tarde, pontualmente às 21:30h Dave Grohl se posiciona no centro do palco de oito metros de altura, acompanhado de sua banda norte-americana que tem até corpo de baile com três backing vocals femininas na retaguarda e entoa Run, a música de trabalho do último disco do grupo, arrebatando o público a um êxtase sincronizado de assovios e palmas em gesto de boas-vindas.
Então o calor do Rio torna-se uma brisa fresca comparada à temperatura flamejante do show dos caras. A pegada rock’n roll deles é tão impactante e digna dos grandes concertos do gênero que não há quem não se contagie a cada refrão escrachado de guitarras pesadas e repiques de uma bateria tão precisa quanto ensurdecedora sob o comando do cabeludo Taylor Hawkins.
Mesmo o estádio não estando com lotação máxima – como é comum em shows como este – o público não deixa por menos e acompanha, a plenos pulmões, a garganta vulcânica do frontman Grohl ao executar cada música em cima do palco, que resplandece em canhões de luz, telões digitais e raios lasers mirando os céus cariocas. Por isso, The Pretender, Learn to Fly, These Days e Walk ganham um peso monumental ao serem cantadas em uníssono pela multidão desvairada que suspende smartphones e plaquinhas num flashmob emocionante ao repetir Oh! Oh! Oh! por todo o gramado e arquibancadas ao som de Best of You.
Mas é no refrão de My Hero que nossas vozes atingem significados – ainda que inconscientemente – de um grito de liberdade, como se uma parcela do povo brasileiro (representada aqui por esta plateia) clamasse pelo surgimento de um herói nacional capaz de salvar o país da lama na qual se afunda. Um alarido que de início é abafado pelos sintetizadores das caixas de som, aos poucos torna-se um tsunami de berros de milhares de vozes repetindo o mesmo brado “fora, Temer! fora, Temer!”, num repentino arroubo de consciência política e anseio por mudanças.
Não obstante, o clima sisudo de uma meia manifestação de protesto é quebrado pela irreverência e carisma do Dave Grohl que, entre uma música e outra, faz palhaçadas com suas típicas caretas em destaque nos telões e diz frases cômicas que quase sempre terminam em “fuck you this night!” ou “mother fuck, yeah!”
Mesmo que um evento dessas proporções nos custe financeiramente caro e nos deixe sujeitos a empurrões, cotoveladas, pisões e desagradáveis flatulências anônimas provenientes da moda “ovo cozido e batata-doce”, uma apresentação do FF nos faz sentir na alma e no coração o verdadeiro significado da palavra DIVERSÃO. Talvez seja por esse mesmo motivo que o grupo se mantem no topo há 24 anos como uma das melhores bandas do mundo.
Assim, à meia-noite em ponto, e após quatro bônus oferecidos pelo bis, despedimo-nos da trupe do FF e do gramado do Maracanã com as pernas e quadril moídos, mas com o espírito leve e a mente tão inebriada quanto só um espetáculo como este é capaz de proporcionar.
Porque assistir Foo Fighters ao vivo é muito mais que presenciar um show de rock. É estar em uma grande festa onde música legal é a regra – e não a exceção.
Por Farley Rocha.
Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com