Farley Rocha

Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

“Entre Palavras”: a poesia confessional de Gisele Clara

Resenha sobre “Entre Palavras”, primeiro livro da poeta Gisele Clara.

Publicado em 26/09/2022 - 15:52    |    Última atualização: 26/09/2022 - 15:52
 

O que é poesia? “Uma voz de fazer nascimentos”, disse o poeta Manoel de Barros. Já para Ferreira Gullar, “poesia é o que nasce do espanto”. Mas para a poeta fluminense Gisele Clara, que acaba de lançar seu livro de estreia Entre Palavras, poesia tem um sentido mais amplo: é a própria vida em movimento, com seus ciclos de dor e alegria, frustração e conquista, mistério e descoberta.

Pelo menos é esta a percepção que temos ao ler sua obra, composta por 65 poemas que refletem sobre nossa maneira de ser e estar no mundo. Ao explorar o tempo, a saudade, o amor e a esperança como temas transversais de sua poética, a jovem autora faz um mergulho nos próprios dilemas e devaneios para nos revelar uma voz em busca do amadurecimento tanto pessoal quanto artístico, como se declarasse em cada verso uma lição particular.

Desta forma, como quem descreve os detalhes da rua ao debruçar-se na janela, Gisele fala sobre os detalhes da própria alma quando encara os olhos diante do espelho. Por isso, no matiz de sua poesia tem algo de confessional, uma espécie de exercício de autoterapia cuja escrita é um meio de cicatrizar suas feridas e outras aflições que também são as nossas.

No entanto, não há melancolia ou sentimento de derrota. Ao contrário, seus versos são a constatação daquilo que somos – com nossos medos e limitações, mas também nossas virtudes e coragem – convidando-nos para o autoconhecimento e assim descobrirmos o que temos de melhor. De alguma forma, Gisele Clara nos ensina, entre palavras, que toda ação pode e deve ser sagrada se forjada com fé, sinceridade e gratidão.

Continua após a publicidade...

Tal força condicionada por sua poética é confirmada pela recorrência do termo “intensidade”. A impressão é a de que esse substantivo abstrato vai se tornando cada vez mais concreto na medida em que o lemos, pois, como a autora deixa subentendido, ele não só denota a forma mais instintiva de experimentar a vida como também traduz a própria experiência da poesia que se manifesta nas entrelinhas do quotidiano. Se o livro fosse um arco, a palavra “intensidade” seria uma flecha, uma seta que atravessa os poemas indicando os códigos de uma mensagem cifrada.

Despojados de fórmulas engessadas como a métrica e a rima, seus textos parecem dialogar com a prosa. Ao construir frases curtas e diretas, Gisele se utiliza da liberdade rítmica dos parágrafos para criar uma cadência que acaba por imprimir na leitura a fluidez intimista de um diário. Como resultado, a poeta apresenta ao público a pureza de um lirismo despretensioso e de fácil identificação.

Esse tom pessoal que percorre a obra, além de trazer leveza e reflexão, estabelece uma espécie de vínculo entre autora e leitor como se um pacto de confidência permeasse da primeira à última página. Tudo o que está ali diz muito sobre quem escreve, mas principalmente sobre quem lê. E nesse jogo de cumplicidade, Gisele vai aos poucos se revelando, como se ao falar de si estivesse nos projetando a nós mesmos.

E é aqui que o título se justifica. “Entre palavras” pode ser o lugar da escrita, onde a autora, na solidão do papel ou da tela em branco, gesta suas emoções mais profundas para materializá-las na forma de poesia. Ou também pode significar um “entre parênteses” ou mesmo um “entre aspas”, ao sugerir que seus poemas, muito mais que palavras, são pequenos recortes a respeito da vida que merecem destaque e atenção. Mas no fim, a sensação que fica é de um fraterno “entre nós”, como se cada página fosse um trecho de uma longa e convidativa conversa na qual até os silêncios das reticências também têm muito a dizer.

Para alcançar esse efeito, Gisele confecciona sua linguagem com a trama de diferentes tecidos. Num verso, nos deparamos com uma cena prosaica e informal (“Deixa-me as horas, o sono, as vírgulas, as palavras…/Lavo o rosto e calço o sapato. Tentarei!”); em outro, nos surpreendemos com um existencialismo digno de uma Clarice Lispector (“Só quem ama já notou o apelo da eternidade.”). E nesse contraste de composições – ora simples, ora sofisticadas – somos levados a compreender o mundo pelo mesmo viés lírico que a poeta o enxerga: seu livro faz a vez de uma lupa amplificando os detalhes que nos passam despercebidos.

Nesse sentido, é possível perceber sua habilidade de síntese quando cria sentenças que lembram excertos de músicas, inscrições em muros ou postagens altruístas de rede social. Mas ao contrário das frases de efeito, a dicção da autora parece conferir às palavras, especialmente quando lidas em voz alta, a ressonância expressiva de um provérbio contemporâneo, como faz em “o olhar de uma partida é a certeza/de quem leva metade de nós”; ou parafraseando Exupéry em “tu te tornas eternamente responsável/pelos sonhos que compartilhas”. Com isso, ao descrever os próprios sentimentos a poeta nos fornece vocabulário suficiente para traduzirmos os nossos.

Continua após a publicidade...

Assim, ao final da leitura confirmamos a resposta: se para Manoel de Barros e Ferreira Gullar a poesia é sinônimo de “nascimentos”, Entre Palavras de Gisele Clara nos mostra que poesia é a vida em seu constante e necessário gesto de deslocamento.

*  *  *

Gisele Clara é natural de Santa Clara, município de Porciúncula-RJ. Graduada em Letras, leciona Língua Portuguesa e Literatura na cidade de Espera Feliz-MG, onde reside atualmente. Entre Palavras é seu primeiro livro, editado e publicado pela Editora Multifoco. Para adquirir, acesse o link: https://editoramultifoco.com.br/loja/product/entre-palavras/

Por Farley Rocha.

Sobre Farley Rocha

Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com


  • Plano Assistencial Familiar Vida

    Rua João Alves de Barros, 277
    Centro - Espera Feliz - MG

    (32)3746-1431

    Plantões
    (32) 98414-4438 / (32) 98414-4440

Clique aqui e veja mais