Farley Rocha

Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

Diário de bordo: percepções de uma crise sem precedentes

Os estilhaços prenunciam não só um possível estado de calamidade generalizado, mas um verdadeiro apocalipse caso a greve perdure por muito mais tempo.

Publicado em 30/05/2018 - 15:54    |    Última atualização: 30/05/2018 - 15:54
 


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É pouco mais de uma da tarde quando saio de casa, a pé. Como as aulas foram suspensas – por determinação do próprio Governo de Estado – aproveito o dia de “folga” para resolver compromissos pendentes em uma segunda-feira ensolarada de outono.

Ao cruzar a esquina da José Grillo com o Calçadão não posso deixar de notar o escasso movimento de veículos nas ruas. Como é comum para este horário, não há o fluxo desordenado de carros e nem se ouve o ranger das carretas com seus habituais transtornos no centro da cidade. Contudo, a sensação não é de tranquilidade, mas de incertezas, pois a greve dos caminhoneiros, que já dura há mais de uma semana, começa a mostrar seus efeitos colaterais até mesmo por aqui – onde ingenuamente julgamos estar imunes aos problemas do mundo.

Enquanto atravesso a avenida Roque Ferreira, lembro que há três dias, quando estive no posto da saída para Carangola na tentativa fracassada de abastecer minha moto, fui até o portal de entrada da cidade, onde dezenas de caminhões parados indicavam adesão ao movimento da greve. Puxei conversa com um dos caminhoneiros que descascava uma mexerica à beira do asfalto e perguntei sobre as expectativas das manifestações. O chofer de meia-idade, olhos claros e blusa listrada me esclareceu, com certa gravidade nas palavras, que o governo ainda não havia cedido a todos os itens da pauta de reivindicações e, por este motivo, a greve continuava por tempo indeterminado.

Agora, passando em frente à Igreja Matriz observo a abundância de vagas liberadas para estacionar. Em dias normais, quase não se acha espaço disponível por aqui nem mesmo para bicicletas.

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Pela calçada da Fioravante Padula também percebo que funcionários das lojas estão à porta com os braços cruzados ou falando no WhatsApp, num claro sinal de que o comércio local sofre reflexos dessa crise sem precedentes.

Entro em dois ou três estabelecimentos nas proximidades da Praça da Bandeira, resolvo meus assuntos e paro no Bar Central, para tomar um café em pé. Do lado de dentro do balcão, ouço um dos garçons comentar que a remessa de cigarros ainda não havia chegado e que o estoque de cerveja não duraria por muito tempo. Na TV ligada acima do freezer da Kibon, um dos âncoras da GloboNews informa que o Presidente irá fazer um pronunciamento logo mais e que o sindicato dos caminhoneiros já havia feito acordo das devidas negociações com o Governo, mas “infiltrados” continuavam forçando o bloqueio das estradas do Brasil.

Ao retornar, entro em um supermercado para comprar ingredientes para o almoço de amanhã – isto se meu gás de cozinha não acabar – e vejo que algumas prateleiras já estão vazias. “E não há previsão para reposição, senhor”, é o que me avisa um dos funcionários do mercado.

Saio dali pensando sobre o que me disse, um dia antes, meu amigo Paulo Faria. O país atravessa um período de total instabilidade em vários setores. E essa crise dos transportes rodoviários nada mais é do que uma triste metáfora para o caos a que estamos submetidos. As manifestações dos caminhoneiros, por mais legitimidade que tenham, são o estopim para o colapso geral das instituições políticas nacionais e os estilhaços, que já atingem até mesmo nossos lares nestes recônditos das montanhas do Caparaó, prenunciam não só um possível estado de calamidade generalizado, mas um verdadeiro apocalipse caso a greve perdure por muito mais tempo.

Ao final da tarde, como costumo fazer em dias de folga, paro na feirinha do Bertolino para comer uma ameixa e prosear com os transeuntes. Na esquina, enquanto Bertolino acende um cigarro, somos surpreendidos por uma passeata subindo a rua José Grillo ostentando uma enorme faixa na qual se lê “INTERVENÇÃO MILITAR JÁ!”.

Então minha ameixa torna-se dramaticamente ácida ao constatar que o tal “apocalipse”, profetizado pelo meu amigo Paulo, já começa a manifestar seus primeiros e espantosos sinais pelas ruas de Espera Feliz.

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Por Farley Rocha.

Sobre Farley Rocha

Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com


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