Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Meu contato com a literatura ocorreu muito cedo, mas foi durante a adolescência, assombrado por letras de música dos Engenheiros do Hawai, Legião Urbana, Zé Ramalho, Adriana Calcanhotto e Zeca Baleiro que estreitei intimidade com isso que chamamos de “poesia”.
Só depois, com a leitura de Drummond, Marcos de Castro, Bandeira, Guerá Fernandes, Gullar, Manoel de Barros e mais um catatau de outros poetas, consolidei minha visão e meu jeito de interagir com o mundo, de alguma forma fazendo da palavra meu pão e oxigênio.
Até que em 2011 abri a gaveta e publiquei Mariposas ao Redor,meu primeiro livro de poesias. É uma pequena coletânea composta por 43 poemas, selecionados de rascunhos de um extenso caderno e dezenas de folhas avulsas que vinha escrevendo desde a faculdade.
Trago abaixo cinco poemas dele, cinco textos poéticos – e um pouco estabanados – como são as mariposas quando voam ao redor.
* * *
Ternura de passarinho
Quem me dera
conhecer a linguagem dos pássaros,
saber chegar onde as andorinhas
para pairar solene
em pôr-do-sol de maio.
Quem me dera
saber assistir de breve
o amanhecer dos pombos,
povoar os céus em tardes rubras
de outono,
mergulhar rasante como
nenhuma máquina pode copiar.
Quem me dera
sobrevoar por vales distantes
onde o discurso único
seja o canto de uma águia rara, solitária.
* * *
Momentos em versão acústica
Saber tocar a vida
como se toca gaita,
flauta, um som qualquer.
Pelas avenidas
imaginar baladas,
ouvir pelas esquinas
a música passar
como fanfarra.
Imaginar o toque doce do sopro do vento
nas janelas.
E por assim dizer,
até os casarões soariam sonoros.
* * *
Mil luas
Mil luas
em diferentes estágios
circulam as entranhas mitológicas
de um ser frágil.
Mil luas
em obstantes presságios
iluminam as membranas sóbrias
de um visionário.
Ao cair da noite,
as mil luas saltam das montanhas revelando seres
no profundo verde dos campos
e no cinza concreto
das florestas urbanas.
E diga-se de passagem,
as mil luas são estrelas
ou satélites imaginários
na pele do universo, tatuagens.
Brilhantes orquídeas: poesias.
Em pleno deserto: miragens.
* * *
Noite na serra
É de manhã
cedo, linha e lã.
O chá chimarrão
ao ferver-se da água
na fogueira ainda acesa
aquecendo o frio
a princípio da manhã.
A noite shy moon, blackbird e chão de giz
nos acordes acordados das cordas em corais
se desfaz agora
com a bagunça dos pardais
e os primeiros raios de sol
despertando o pessoal
para arrumarmos as mochilas,
descermos a serra,
pisarmos o chão.
* * *
Sereno sonho
Escrevo-me como pergaminho,
a mim ensino
com quantos sonhos se faz uma vida.
Atiro-me solstícios de primavera
e espero, sempre olhando,
o dia que se apaga
no mesmo lugar
pra inventar sonhos,
num lugarejo qualquer
rodeado por montanhas,
chaminés e grilos,
enquanto aguardo ostensivo
os sonhos caírem ao sereno.
Por Farley Rocha.
Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com