Amanda Gerardel

Este é um artigo ou crônica pessoal de Amanda Gerardel.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

Apague as Luzes

Começo a ouvir murmuros, mais parecidos com chiados de tv, parecem vozes aleatórias, vindas de muito distante.

Publicado em 18/10/2024 - 17:13    |    Última atualização: 18/10/2024 - 17:13
 

Duas da manhã começa o primeiro estalo, deitado em minha cama, coberto como que por um escudo, estremeço.

O estalo vai ficando forte gradativamente, e com ele, alguns sons difusos. Minha garganta está seca, sinto sede, mas o medo é maior, engulo o resto de saliva que consigo produzir e fecho os olhos o mais forte possível.

Começo a ouvir murmuros, mais parecidos com chiados de tv, parecem vozes aleatórias, vindas de muito distante.

Um frio perpassa minha espinha, sinto um leve toque nos pés, um estalo mais alto, pertinho da cama. Começo a rezar mas não consigo, as palavras somem de minha mente, a porta está rangendo, o suor começa a escorrer, fazendo cócegas nas minhas têmporas. Tenho medo de secá-lo, tenho medo de me mover e até de respirar.

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Ouço alguém chamar meu nome, lá fora no portão, por um segundo em minha mente, me pergunto, quem estaria me chamando às 2:15 da manhã? Ouço um riso fino, começo a chamar minha mãe. Grito baixinho, vou aumentando gradativamente o volume da voz, mas ela não me ouve. Começo a chorar.

Tento imaginar coisas boas, imagino uma igreja, agora um padre lá dentro. Imagino-me segurando a barra da batina do padre, agora me imagino aos pés de Jesus, no céu, rodeado de anjos. Sinto um puxão nos pés, grito alto mas não abro os olhos, começo a rezar, ave Maria cheia de…. Cheia de…

Grito minha mãe mais uma vez, mas ela não ouve. Seguro firme nas barras da coberta, sinto a cama tremer, começo a cantar louvores em minha mente, o medo tomou conta de mim, minha voz não sai.

De repente a porta bate forte, no impulso eu levanto minha cabeça e vejo, em pé, frente a mim, minha mãezinha!

O alívio corre por meu corpo, ela está de pé sorrindo, percebo que estou todo mijado, ela se senta ao pé da minha cama e me abraça, eu choro. Sinto tanta felicidade, tanto alivio, o medo passou.

Já não escuto barulhos, os chiados sumiram, o ar está mais leve e o frescor da noite não me intimida mais.

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Minha mãe se levanta, pergunto-lhe aonde vai, ela coloca o dedo indicador sob a boca, pedindo que eu fique quieto. Mas ela não para de sorrir, percebo então que algo está errado, até agora ela não disse uma palavra, não me acolheu e nem disse que tudo ficaria bem, que é só um pesadelo.

Ela vai em direção à porta e a fecha. Pergunto o que está acontecendo e mais uma vez ela faz o sinal de silêncio.

Nesse momento percebo que seus dedos estão negros, com um aspecto enrugado, sua boca roxa e com pequenas feridas nos lábios, sua pele, antes branca, tem um tom violáceo.

Percorro meus olhos por seu corpo, a camisola rosa está suja de terra e com um líquido viscoso cor de catarro, em um dos pés lhe faltam dois dedos, sua pele tem crateras que desmancham-se com os vermes que brotam de seu interior. Deus, ela está apodrecendo!

Nesse momento minha mãe me diz:

– Não se preocupe querido, vou apagar a luz.

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E com o movimento de seus dedos eu me lembro de tudo, a três meses atrás, nesta mesma casa, minha querida mãe agonizava sozinha no chão da sala, eu que muito ocupado, não encontrava tempo para visitá-la, recebi a notícia quatro dias após ela partir. A casa em que durmo agora é minha, moro aqui desde então. Por que gritei mamãe? Sou um homem de 30 anos e minha mãe está morta.

A escuridão toma conta de tudo.

Por Amanda Gerardel.

Sobre Amanda Gerardel

Provavelmente a pessoa mais perdida e desequilibrada desse Portal. Seus textos refletem isso, não crie expectativas, apenas leia, reflita e aprecie o que a loucura pode gerar no fenômeno da escrita.


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