Cidade Submersa – Capítulo XIII – O Trabalho dos Abrigos

Capítulo XIII da série de reportagens documental "Cidade Submersa".

Publicado em 27/09/2020 - 13:59    |    Última atualização: 27/09/2020 - 13:59
 

CAPÍTULO XIII

O TRABALHO DOS ABRIGOS

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Para uma enchente de grandes proporções como foi esta de 2020, a união e a força de trabalho para limpeza e reconstrução da cidade foram determinantes, mas o amparo e a solidariedade para acolher a população mais afetada foram essenciais.

Por isso, antes mesmo da chegada da enchente na madrugada de 24 para 25 de janeiro iniciaram-se as ações de assistência às vítimas da catástrofe. Desde o momento em que as áreas de risco começaram a ser preventivamente evacuadas, durante a manhã de sexta-feira, havia uma grande preocupação por parte das autoridades em socorrer os necessitados.

Segundo a Secretária Municipal de Assistência Social Alba Barbosa, desde o dia do ocorrido até o final de fevereiro mais de 2.200 pessoas ficaram alojadas em diversos abrigos instalados em instituições públicas e religiosas da cidade. A Igreja São Francisco de Assis, APAE, Igreja Adventista do Bairro João Clara, Escola Estadual Interventor Júlio de Carvalho e Centro Espírita da Rua Major Pereira foram alguns dos lugares que serviram de refúgio às centenas de famílias.

(Abrigo do Seminário)

Mas o principal deles foi o prédio do Seminário, de propriedade da Igreja Católica. Ali, além de ter comportado o maior volume de pessoas distribuídas entre seus três andares com dezenas de salas e banheiros, também serviu de base para as autoridades da Prefeitura Municipal, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, já que boa parte das instalações públicas do poder municipal havia sido alagada.

De acordo com a Secretária Alba Barbosa, o Seminário foi o primeiro local a receber as famílias retiradas dos bairros e ruas atingidos pela enchente, que ao longo dos dias iam sendo remanejadas a outros abrigos para que ficassem melhor acomodadas.

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Também foi ali que, a partir da manhã de domingo 26 de janeiro, o Gabinete de Crise realizava suas reuniões. Composto por representantes do Poder Público Municipal, do Ministério Público, da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros e das Secretarias Municipais, o Gabinete de Crise, orientado pelo Plano de Contingência do município, fazia pelo menos duas das principais reuniões diárias. A primeira era sempre às 8 horas da manhã, para planejar as ações do dia, a distribuição de alimentos e a manutenção dos abrigos. A outra era às 8 da noite, para avaliar as metas cumpridas e decidir sobre as demandas do dia seguinte.

Segundo a assessora de comunicação da prefeitura Meire Fófano, uma das que participava das reuniões do Gabinete de Crise, todas as decisões importantes que ali eram tomadas ela imediatamente as reportava à população por meio de boletins e comunicados oficiais, emitidos pelas redes sociais institucionais da prefeitura e pela Rádio Café FM 98,9. De acordo com a assessora, esta medida foi determinante tanto para manter os esperafelicenses informados sobre a condução dos trabalhos de contenção do desastre quanto para reduzir os efeitos negativos de possíveis fake news, como a do desabamento do Supermercado Jacaré. Transmitindo os comunicados por vias oficiais foi possível estabelecer a ordem e manter a calma dos cidadãos.

Por orientação e supervisão do Corpo de Bombeiros, durante a primeira semana do pós enchente os abrigos foram redistribuídos e regulamentados conforme protocolos de segurança e logística para situações emergenciais de desastres. Homens adultos permaneceram no Seminário; mulheres, crianças e idosos ficaram nas instalações da Escola Estadual Interventor Júlio de Carvalho. Para que estes espaços tivessem organização e rotina, foram determinados horários específicos para banho, refeições e recolhimento aos dormitórios. Assim, era possível controlar o fluxo de pessoas desabrigadas e proceder as devidas ações de assistência aos necessitados.

(Abrigo da E. E. Interventor Júlio de Carvalho)

Em paralelo, a Polícia Militar atuou em regime de escala e revezamento de 24 horas por dia durante várias semanas, mantendo a ordem e a segurança não só dos abrigos lotados de famílias como também das ruas, das residências e dos comércios locais para evitarem possíveis saqueamentos ou assaltos, diante da vulnerabilidade à qual a cidade se encontrava.

Conforme relata o Tenente Julierme Machado Christoffori, no princípio chegou a ficar por várias horas ininterruptas de plantão para conduzir as operações de emergência. Segundo conta, a partir da noite da enchente e durante os dias que se seguiram a PM acompanhou todos os desdobramentos que resultaram da catástrofe, desde a regulamentação do trânsito, quando inúmeros caminhões e tratores circulavam removendo os entulhos, até o amparo à população desabrigada.

Naquele período, também houve a atuação de centenas de voluntários que se prontificaram a serviço dos abrigos, ajudando na limpeza dos alojamentos, no recebimento, distribuição e transporte de doações, e na organização dos mais variados serviços.

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Sob uma estrutura hierárquica cuja liderança era o espírito de solidariedade, incontáveis pessoas de toda parte se dispuseram para realizarem os trabalhos necessários, dos mais básicos aos mais complexos. Nas tarefas de cozinha, houve um revezamento de vários cozinheiros e donos de restaurantes da cidade para darem conta da alimentação dos milhares de moradores que haviam perdido tudo. Clubes e associações como o Lions, o Rotary e Associação de Deficientes mobilizaram uma força tarefa para a lavagem de toneladas de roupas dos que haviam tido a casa inundada.

Desta forma, muitos dos residentes dos bairros João Clara, Santa Cecília, Patronato e das demais áreas afetadas receberam um amparo, por intermédio da união por uma causa em comum, até que pudessem retomar suas vidas.

O TRABALHO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

De acordo com a Secretária Municipal de Saúde Rubia Simiqueli Cabral, desde as últimas horas da noite de 24 de janeiro iniciou-se, através de coordenadores e agentes da Secretaria, o planejamento de estratégias e ações para atenderem aos desabrigados e prestarem socorro às possíveis vítimas.

Como a Policlínica Municipal, onde se concentram os setores administrativos da secretaria, está localizado de frente para o rio, ao lado da ponte da Terra Branca, quase todas as instalações ficaram praticamente submersas. Por isso, os servidores e profissionais de saúde, impossibilitados de utilizarem seus postos de trabalho, imediatamente implantaram um ponto de atendimento médico no abrigo do Seminário, onde também eram traçadas as metas para lidarem com a imprevisível rotina que se seguiria após o desastre.

Na avenida Jaime Toledo, em frente ao Ginásio Poliesportivo, foi instalado um Pronto Socorro de Campanha equipado com consultórios médico, odontológico e uma ambulância, à disposição da população, com funcionamento diário das 7 horas da manhã às 10 horas da noite. Como vários PSF’s da cidade também tiveram que ser interditados devido aos efeitos da inundação, este Pronto Socorro passou a ser o ponto de referência para os assuntos em saúde. Por dia, eram realizados diversos atendimentos e encaminhamentos, além de servir como terminal de contato direto com as pessoas, para transmitir informação e orientação quanto aos cuidados que todos deveriam tomar.

No decorrer da primeira semana após as chuvas, o sol acabou transformando em terra seca a lama acumulada nas ruas. Assim, com inúmeros caminhões, tratores e outros veículos transitando por toda parte na tarefa da limpeza, grossas nuvens de poeira se formavam pela cidade inteira. Por isso, a Secretaria Municipal de Saúde disponibilizava máscaras aos moradores, voluntários e aos que atuavam na linha de frente para que se evitassem contaminações.

Além disso, agentes e profissionais de saúde visitavam diariamente todos os outros abrigos, realizando cadastros, atendimentos e o monitoramento da parcela da população atingida. Conforme relata a Secretária de Saúde, consultas simples e receituários eram feitos no próprio local, e os casos mais delicados eram conduzidos ao Hospital de Espera Feliz.

A partir do primeiro dia após o recuo das águas, foi organizado um mutirão epidemiológico com diversas equipes da Vigilância Sanitária que circulavam por todas as áreas que haviam sido inundadas. Desde o bairro João Clara até o centro de Espera Feliz foram realizadas diversas vistorias, além de orientar a população quanto à prevenção de possíveis doenças provocadas pela lama do rio que deixou em milhares de casas a sedimentação de esgoto e outros materiais nocivos. Em paralelo, foi promovida uma campanha de vacinação contra hepatite A e um minucioso monitoramento de eventuais casos de leptospirose, muito comuns depois de alagamentos de locais povoados.

Segundo a Secretária Rubia Simiqueli Cabral, embora tenham sido registrados 8 casos de leptospirose durante aquele período, não foi registrado nenhum outro caso excepcionalmente mais grave em decorrência nem da enchente nem de deslizamentos de terra. E este talvez tenha sido o ponto mais crucial deste evento catastrófico que abalou Espera Feliz.

Quando o Corpo de Bombeiros de Governador Valadares chegou à cidade, ainda no sábado 25 de janeiro, a primeira medida que tomaram foi proceder a triagem de desaparecidos e possíveis vítimas fatais. Por isso, desde aquele momento realizaram, junto da Polícia Militar e da Defesa Civil, uma varredura por todos os bairros e ruas que ficaram sob as águas, para certificarem se havia ocorrido óbitos.

A julgar pelas cenas chocantes de destruição que puderam ser vistas por todo canto, imaginava-se que a enchente teria causado danos irreparáveis à muitas famílias residentes das áreas de risco. Foram dezenas de casas demolidas pela força das correntezas e, por mais que se esforçassem as equipes de socorro, diversas pessoas não puderam ser resgatadas naquela noite de horror. Observando vídeos gravados pelo celular durante o episódio, que mostravam a água se aproximando dos tetos, e fotografias registradas quando a inundação baixou, apresentando acúmulos de destroços, barro e escombros a que tinham se reduzido várias ruas, era presumível que se esperasse pelas piores e mais aterradoras notícias.

Mas, contrariamente, à medida em que os dias iam passando e a confirmação de que familiares e amigos estavam bem e em segurança, a população inteira foi sendo tomada por um misto de gratidão e alívio. Como é comum resultar mortes de acontecimentos de grandes proporções como este, a grande enchente de 2020 deixou não mais do que profundas marcas de perdas e danos materiais. Pois, apesar de sua dimensão devastadora, que abalou não só as estruturas físicas da cidade como também a alma de cada esperafelicense, nenhuma única vida foi perdida.

De acordo com moradores e profissionais da linha de frente, isto se deve à ação precisa e coordenada das autoridades que atuaram junto à população em diversas frentes de trabalho de prevenção e contenção dos impactos. Não fosse ao imediato procedimento de evacuação das áreas de risco antes que a enchente chegasse, associado a todo o sistema em que se baseou a condução da assistência aos necessitados após a enchente, com o oferecimento de cama, agasalho, alimento, segurança e a distribuição de doações, este resultado poderia ter sido bastante diferente.

Com a população a salvo dos piores males pelo menos, os efeitos mais drásticos causados pela tragédia acabaram se manifestando de forma aparentemente invisível: através da saúde emocional das vítimas e dos profissionais envolvidos nas tarefas de diminuição dos danos.

Sobre o autor

Farley Rocha é professor de Língua Portuguesa e Literatura das redes pública e privada de Espera Feliz. É cronista do site PortalEF e tem dois livros publicados, Mariposas ao Redor (2011) e Livre Livro Leve (2015).


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