CAPÍTULO XII
O SUPOSTO DESABAMENTO DO SUPERMERCADO JACARÉ
Clique aqui para ouvir pelo Spotify.
Clique aqui para ouvir pelo YouTube.
Clique aqui para ver os capítulos anteriores.
Como se não bastasse o caos que a tragédia havia causado à cidade, na quarta-feira 29 de janeiro, quatro dias após a inundação, uma notícia aterradora viralizou pelas redes sociais, colocando toda a população, já extremamente abalada, ainda mais em polvorosa.
Por volta das 10:30 horas da manhã, enquanto todos lidavam incansavelmente com a desordem de suas casas, espalhou-se o rumor de que o prédio do Supermercado Jacaré havia desmoronado. Informação que fazia muito sentido para aquele momento delicado, já que o prédio se localiza bem próximo ao rio e grande parte da rua dos fundos havia sido tragada pela enchente.
Por todas as ruas e esquinas formou-se um alvoroço sem precedentes. Pois além das diversas pessoas que o mercado emprega, haviam também os clientes que faziam compras na hora do ocorrido e outras dezenas que residem nos apartamentos do andar superior do prédio. Na cabeça de todos, instantaneamente desenhou-se uma terrível imagem de que muitos, àquela hora, poderiam estar sob os escombros.
Ao saberem da assombrosa notícia, centenas de homens, mulheres e crianças largaram suas portas abertas e seus afazeres e saíram apavoradas às ruas, aos gritos de misericórdia, telefonando para parentes e amigos e correndo em direção ao local do ocorrido.
Para completar o pânico, neste mesmo instante uma segunda má notícia aterrorizaria ainda mais a população. Disseminou-se a informação de que outra cabeça d’água havia estourado na Serra do Caparaó e que em poucas horas chegaria à Espera Feliz, inundando tudo novamente. Os que corriam já desnorteados para o que, supostamente, havia sobrado supermercado, refugiaram-se no Morro da Matriz. Por ser o ponto mais alto do centro, ali estariam seguros quando o evento diluviano – o segundo em menos de uma semana – tragasse outra vez a cidade.
Senhorinhas amparadas pelo braço subiam as escadarias da igreja fazendo o sinal da cruz, outras antecipavam rezas em voz alta antes mesmo de adentrarem o templo. Os que se abrigavam de pé sob as árvores ou sentados no gramado do jardim não desgrudavam os olhos do aparelho celular, na expectativa de confirmarem o fato. Falavam tropegamente uns com os outros em tom de desespero, recebendo áudios igualmente atordoados. Uns corriam com as mãos na cabeça, outros gritavam, outros choravam. Na Praça Cira Rosa de Assis uma segunda multidão aterrorizada também se formou, à espera de informações mais detalhadas sobre os dois ocorridos.
No fim, para o alívio de todos ambas as notícias não passavam de duas escandalosas e cruéis fake news. A chuva que tinha incidido mais cedo em Alto Caparaó não chegava a ter volume suficiente para gerar outra enchente. Nem as estruturas do supermercado haviam sequer ruído.
Segundo o engenheiro da prefeitura Rubens Cabral de Almeida Júnior, que no momento do tumulto coordenava os trabalhos em outra parte da cidade, ao saber do boato direcionou-se imediatamente com o Corpo de Bombeiros até o local. Após realizarem uma minuciosa vistoria, constatou-se que o prédio estava perfeitamente intacto e em plenas condições de segurança. Não havia uma só trinca, nenhum tijolo esmagado.
No entanto, de todas as muitas histórias sobre a grande enchente de 2020 esta poderia ter sido mesmo a mais trágica. Mas agora, graças ao distanciamento do tempo, esta não passa de uma lembrança meio cômica.
O CICLO DOS 20 ANOS
Observando o histórico, muito embora não haja estudos científicos que comprovem tal fato, é possível perceber certo padrão para a ocorrência deste fenômeno meteorológico em Espera Feliz.
Tendo por base os últimos 40 anos, houve pelo menos uma enchente na cidade num espaço médio de tempo de uma década. Fora as duas maiores, registradas em 1979 e 1997, também ocorreram outras duas de menor proporção: uma no início dos anos de 1990 e outra no verão de 2008. Ambas inundaram boa parte dos locais mais vulneráveis, além de terem atingido com alguns palmos d’água casas e estabelecimentos comerciais localizados na rua Américo Vespúcio de Carvalho e na parte baixa da Praça da Bandeira.
Por outro lado, conforme este mesmo padrão, mas num espaço de tempo maior, mais ou menos a cada 20 anos repete-se o ciclo das enchentes mais graves. Esta de 2020 parece conferir um pouco de sentido a isto – só que desta vez com uma descomunal diferença de volume d’água em relação às anteriores.
Se este dado estiver correto, significa que até 2030 Espera Feliz poderá ser atingida por uma enchente mais branda. Contudo, ao aproximar do ano de 2040 será bom que a cidade já esteja preparada.
Todavia, a população esperafelicense tinha que lidar agora com os resultados catastróficos da severa inundação do tempo presente. Por isso, depois de contabilizar os prejuízos materiais e financeiros, arregaçar as mangas para o processo de limpeza e acalmar dos tumultos de falsas notícias, a cidade precisava continuar zelando de sua parte mais importante e sensível: os milhares de desabrigados.
Farley Rocha é professor de Língua Portuguesa e Literatura das redes pública e privada de Espera Feliz. É cronista do site PortalEF e tem dois livros publicados, Mariposas ao Redor (2011) e Livre Livro Leve (2015).