Cidade Submersa – Capítulo III – O Vale do Rio São João

Capítulo III da série de reportagens documental "Cidade Submersa".

Publicado em 17/09/2020 - 20:31    |    Última atualização: 21/09/2020 - 10:18
 

Maciço da Serra do Caparaó

CAPÍTULO III

O VALE DO RIO SÃO JOÃO

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Para se compreender o poder destruidor de uma grande enchente como a ocorrida em Espera Feliz no início de 2020, é preciso conhecer a respeito do rio que a conduz e a influência que a dinâmica das chuvas exerce sobre ele. Por isso, a seguir há uma breve descrição geográfica da região e da paisagem do Vale do Rio São João.

A Serra do Caparaó é um maciço rochoso localizado entre a região leste de Minas Gerais e sudoeste do Espírito Santo. No passado, já foi considerada o ponto de maior altitude do Brasil, quando o Governo Imperial determinou que fosse fixada uma bandeira no topo de sua montanha mais culminante. Embora não haja dados precisos sobre isso, enquanto alguns relatos orais antigos informam que tal bandeira era uma estrutura forjada em bronze, outros a descrevem como feita de material comum de pano e haste de madeira. De um jeito ou de outro, o único vestígio que restou deste símbolo nacional é o nome que batiza o Pico da Bandeira.

Em termos geológicos, a serra se formou há 2 milhões de anos. Com a ação das placas tectônicas, resultou-se o afloramento de gigantescos blocos escarpados de granito. Suas cadeias montanhosas de rocha vulcânica se estendem a centenas de quilômetros na fronteira dos estados mineiro e capixaba, chegando a adentrar até parte da região norte do Rio de Janeiro. Os picos do Cristal, do Calçado e da Bandeira são os pontos mais elevados dessas cordilheiras – este último com 2.892 metros de altitude.

Por conta dessas características geográficas, grandes vales e grotões se formaram ao longo de toda a encosta da serra, esculpidos há milhares de anos por rios, córregos e regatos componentes da bacia hidrográfica do Rio Itabapoana. Um desses vales é o do Rio São João, o mesmo que cruza a cidade e que transbordou naquele fatídico final de janeiro de 2020.

Não se sabe ao certo as origens de seu nome. Segundo historiadores, quando a região ainda se encontrava em estado primitivo, era usual os desbravadores se guiarem por cursos d’água, batizando-os geralmente com o nome de algum santo a quem eram devotos. A exemplo de algumas comunidades rurais do município se chamarem São Gonçalo, São José da Pedra Menina, São Domingos, Nossa Senhora de Fátima, São João da Farinha.

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Sua hidrografia, oriunda de um conglomerado de montanhas adjacentes à Serra do Caparaó, vem de pelo menos duas nascentes distintas: uma na comunidade rural de Taboão, e outra na comunidade de Grumarim, pertencente ao município de Caparaó. Na comunidade chamada Cruzeiro, a aproximadamente 10 quilômetros da sede de Espera Feliz, é onde os dois cursos d’água se encontram. Até alcançar a cidade, o Rio São João vem recolhendo a afluência de centenas de córregos e pequenas minas – fato que, em épocas de chuva, provoca naturalmente sua cheia.

No entanto, seu principal afluente é um outro rio de grande presença na região, o Rio Caparaó, que nasce nas encostas íngremes da serra e, a certa altura, conecta-se ao São João bem no meio da cidade de Espera Feliz, entre as imediações da Rua Nova e rua Carangola. Justamente por causa desta forquilha entre os dois rios é que aconteceu a enorme inundação no início de 2020, pois uniu-se num mesmo ponto de convergência o volume de poderosas chuvas conduzidas por dois rios que, em geral, são bem mansos.

O final do seu curso se localiza dentro do município de Caiana. Ao encontrar-se com o Rio Preto, cujas nascentes também são provenientes da Serra do Caparaó mas pela vertente capixaba, formam os afluentes do Rio Itabapoana. Por demarcarem a divisa entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, este ponto é chamado de Três Estados.

Com cerca de 80 quilômetros de extensão, todo o Vale do Rio São João é composto por uma rica diversidade natural e cultural. Desde as altas montanhas de suas nascentes às pequenas colinas em torno das quais o rio serpenteia, há inúmeras fazendas e comunidades rurais rodeadas por lavouras de café, pastagens e corredores de mata atlântica. Por isso, pode ser visto ao longo de suas margens um cenário repleto de bucólicos casarões centenários, pequenas capelas, formações rochosas e paredões montanhosos. Assim, sob uma perspectiva poética a respeito da região, pode-se dizer que é o Rio São João quem conecta geograficamente Espera Feliz ao resto do mundo, ao conduzir através de seu curso as tradições rurais dos habitantes da serra até seu deságue no Oceano Atlântico.

(Rio São João nas proximidades do povoado de São Sebastião da Barra)

Dentro do município de Espera Feliz, ele atravessa alguns de seus principais povoados: Taboão, São Gonçalo e São Sebastião da Barra. Já em Caiana, além da cidade sede, ele também cruza o pequeno povoado de Divininho.

Já dentro da área urbana, o rio está presente margeando diversos endereços bastante populosos, como os bairros João Clara, Santa Inês, Santa Cecília e Patronato, além de longas ruas como a Avenida Beira Rio e rua Carangola. Por isso que sua última cheia sem precedentes deixou milhares de moradores desabrigados e inúmeros estragos por toda parte.

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ZONA DE CONVERGÊNCIA DO ATLÂNTICO SUL

Assim como as anteriores, a grande enchente de 2020 resultou-se da combinação entre severos fatores climáticos na região e características geográficas locais, principalmente em relação às suas nascentes e pelo decurso onde o rio cruza a cidade.

Eventualmente ocorre no Brasil um fenômeno meteorológico que, de uma forma que ninguém poderia imaginar, interliga as influências que a distante floresta amazônica exerce sobre as paisagens montanhosas da Serra do Caparaó.

De acordo com o próprio sistema ambiental do planeta, as diferenças de temperatura do oceano provocam um fluxo de vapores atmosféricos que se concentram sobre as florestas tropicais no Norte do país. Conforme a orientação da dinâmica dos ventos, essas massas de ar quente são conduzidas por um corredor de nebulosidade que se estende do Amazonas ao Sudeste, num sistema parecido com o dos famosos rios voadores. Na outra ponta, massas de ar frio geradas na região antártica sobem em direção à faixa litorânea brasileira. Ocasionalmente, devido à pressão atmosférica, quando as duas massas se encontram tem-se a incidência de fortes e constantes chuvas, sobretudo nos estados do Centro Oeste e Sudeste. É a chamada Zona de Convergência do Atlântico Sul – ou apenas ZCAS.

Para que uma ZCAS ocorra é preciso que a massa de ar frio, alimentada pela umidade que vem da Amazônia, esteja bloqueada por pelo menos quatro dias seguidos. Quando isto acontece a previsão é de grandes tempestades que podem durar até uma semana.

(Zona de Convergência do Atlântico Sul – ZCAS / Climatempo)

Foi justamente este fenômeno que ocorreu na região no final de janeiro e início de fevereiro de 2020. Centenas de municípios distribuídos pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais também decretaram Estado de Calamidade Pública, devido a inúmeros deslizamentos de encostas, alagamentos e grandes enchentes. Neste mesmo período, a capital Belo Horizonte foi uma das cidades que mais sofreu, registrando diversos óbitos provocados pelo desastre.

Assim como no caso da cidade capixaba de Iconha e de muitas outras da região do Caparaó, Espera Feliz também foi alvo de uma Zona de Convergência do Atlântico Sul.

Sobre o autor

Farley Rocha é professor de Língua Portuguesa e Literatura das redes pública e privada de Espera Feliz. É cronista do site PortalEF e tem dois livros publicados, Mariposas ao Redor (2011) e Livre Livro Leve (2015).


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