Amauri Adolfo da Silva, ou apenas Amauri, poderia ser o conterrâneo mais comum que temos aqui na serra. Mas é seu ofício silencioso e sensível que o faz ser anonimamente um sujeito especial: Amauri Adolfo é poeta.
Embora maneje bem as palavras, a atividade da qual sustenta sua gente é a mesma que também sustenta todos os povos do mundo – e, se dependesse dele, mataria toda a fome que existe no planeta. É que Amauri Adolfo é agrilcultor. Profissão da qual se apresenta com orgulho e faz questão de completar dizendo “agricultor agroecológico”.
Ele e sua família, assim como seus antecedentes, trabalham com a terra numa espécie de interação com a natureza, numa dinâmica de respeito mútuo no ato de plantar e de colher. É desta forma de pensar as coisas que Amauri cultiva sua obra literária, na mesma sintonia em que lavra a terra na labuta no campo.
“Redemoinho” é seu primogênito livro. Publicado em 2005, a coletânea de poemas trouxe à tona o poeta estreante, mas já compositor de versos tão maduros quanto pitangas no pomar do seu quintal. Nele, dialogava uma poesia propositalmente simples, sugerindo que para as coisas simples da vida não carece falar complicado. Porque sua temática – e desde então sua marca – trata justamente das experiências da vida interiorana, do olhar pacato de quem assiste o mundo debruçado na janela, do barulho da água escorrendo na bica, do cheiro de café misturado à brasa do fogão a lenha, da tarde em que borboletas salpicam o pasto e gaviões agitam o horizonte amarelo. Qual Manoel de Barros, em “Redemoinho” Amauri reinventava o mundo a partir daquilo que lhe é mais essencial: a natureza.
Já seu segundo livro, “O trem”, revelou uma outra fase do agricultor de palavras – ainda poeta, mas não dos versos. Agora sua poesia era dedilhada em linhas retas, como se a mão de quem as escreveu à noite debulhava pela manhã o milho pra fazer fubá. Escreveu um romance regionalista, pelo qual narrava uma viagem lúdica de trem feita pelas personagens angelicais que criou (ou reproduziu). Neste livro, Amauri trabalhou a escrita de forma técnica e prosaica, mas sem perder de vista suas inspirações fundamentais. Na viagem que imaginou ser possível, descrevia com veracidade as paisagens que corriam enquanto o trem seguia seus trilhos ao sul. E ao longo da história, pincelou os cenários reais de Espera Feliz e da encosta da Serra do Caparaó. Nossos morros, rios, árvores e nossa gente tomaram forma na sua escrita, levando o leitor a sentir a brisa que venta das páginas enquanto são lidas. Nesta obra, o autor proseou um belo causo fazendo jus ao típico mineiro que é.
Agora, e desta vez retornando ao verso, Amauri lança seu terceiro livro, batizado tão bonitamente de “Pedaços de Poesia”. Neste volume, o poeta reúne suas pequenas anotações numa teia de palavras e metáforas como se costurasse mesmo uma colcha de retalhos. E mais uma vez surpreende apresentando um novo jeito de escrever. Definindo sua fórmula própria, que tem como base nunca se repetir, Amauri compôs poemas utilizando uma linguagem sofisticada e refinou, no mesmo pilão, um pouco da poesia marginal e panfletária, assim como da poesia concreta dos anos cinquenta e a do modernismo dos anos vinte do século passado. Trata tanto da sutileza que existe no erotismo quanto da frieza das desigualdades sociais; lida sobre os dilemas humanos com humor e ironia e explora as possibilidades de sentido que a palavra permite alcançar. Mas tudo a serviço do verso, juntando cacos do quotidiano para reconstruir tão sensivelmente a vida com seus pedaços de poesia.
Por isso, o poeta agricultor parece ter deixado a roça por um tempo e voltou com um jeito inédito de olhar as coisas – e de falar sobre elas. Mas as coisas que vê ainda são as mesmas, e as descreve nas estradinhas de terra por onde suas palavras sempre nos faz caminhar, poeticamente entre os vales, riachos e os passarinhos do seu universo “interior”.
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O lançamento do livro “Pedaços de Poesia”
Quando? – 10/04 (sábado)
Onde? – Sítio “Convívio Portal da Luz” (estrada Espera Feliz/Caparaó)
Horário? – A partir do anoitecer, quando a lua estiver clareando o terreiro
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Farley Rocha, fã do Radiohead e do Seu Madruga, nasceu em 1982 e mora na cidade de Espera Feliz, interior de Minas. Professor por formação e poeta por obsessão, mantém o blog palavraleste.blogspot.com, espaço aonde publica seus textos e outras insanidades literárias.