Não é simples a definição de saudade, como também não é simples a definição de nada que seja relacionado ao coração do homem. Mas a palavra “saudade”, mais do que descrevê-la por experiência própria, muito mais do que explicá-la diluindo seu léxico em prefixos e sufixos, tem a ver – ainda que de modo impreciso – com a palavra “resgate”.
Sentir saudades é forma de resgatar lembranças, como se possível fosse rememorar os mesmos sentimentos que a cena despertou no passado. Ter saudades de alguém parece tocar na imaginação quem está longe, e resgatar o tempo tão presente quanto a própria saudade que se sente. Então, a palavra reparte-se em outra: “compartilhar”.
Porque quem sente saudade comunga de um mesmo estado de espírito, haja vista que saudade não se adquire sozinho. Ela é resultado que a dinâmica da vida deixa quando passa, entre olhares, amores e amizades. E quem diz senti-la sem nunca ter vivido a partilha, na verdade o que sente é solidão, nostalgia de encontros nunca acontecidos. Neste caso, “compartilhar” confunde-se com “participar”.
A participação nas relações humanas, o convívio entre os seres nas suas mais diversas diferenças e igualdades fazem prevalecer no intermédio do quotidiano a sensibilidade pura que nos conecta. E dessa interação surgem as marcas que deixamos e que recebemos, na lida diária com pessoas que vêm e vão. Disso, a única coisa que perdura é a saudade.
“Perdurar” também pertence ao vocabulário da saudade. Sentir falta indica que a ausência nada mais é do que distância, e que esse vão só pode ser preenchido quando se perduram as lembranças. Pensar no abraço do pai que se foi, no sorriso do filho que não mais se vê; pensar na rebelde poesia da juventude em oposição aos versos caretas da maturidade; pensar que a felicidade não é algo que se alcança, mas apenas se aceita; pensar nas cores, nos sons, nos gestos, nos sabores, nos sentimentos, nas experiências de outros tempos, tudo isso é o meio que temos para perdurar ao máximo a plenitude das coisas que não vivemos intensamente – ou suficientemente.
Por isso, “resgatar”, “compartilhar”, “participar”, “perdurar” são partículas que juntas, em qualquer ordem, dão forma e tom ao sentimento o qual não possui definição precisa, mas que só quem sente sabe bem como é.
Embora não seja tarefa fácil explicá-la, a saudade talvez seja o sinal mais latente de que a humanidade, invarialvelmente, habita em nós, fragilizados seres que somos.
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Farley Rocha, fã do Radiohead e do Seu Madruga, nasceu em 1982 e mora na cidade de Espera Feliz, interior de Minas. Professor por formação e poeta por obsessão, mantém o blog palavraleste.blogspot.com, espaço aonde publica seus textos e outras insanidades literárias.