“A gente tem de sair do sertão!
Mas só se sai do sertão
é tomando conta dele,
adentro…”.
João Guimarães Rosa
Grande Sertão: Veredas
É com enorme satisfação e alegria que escrevo meu primeiro artigo para o Portal Espera Feliz, uma louvável iniciativa de integrar, sobretudo, pessoas que querem compartilhar ideias. Sem dúvida é enriquecedor para a cidade de Espera Feliz, tanto para os seus moradores quanto para os que estão longe! Acredito que os esperafelicenses que moram longe apreciarão ainda mais o Portal, pois é uma forma de encurtar as distâncias que os separam de sua terra, sua família e seus amigos. Lendo as colunas dos articulistas, pude notar que muitos deles são jornalistas, escritores, professores e estudantes. Isso é uma coisa fantástica, pois há muita gente boa e competente em nossa cidade, capaz de produzir conteúdo de qualidade, informação e, sobretudo, formar opinião. Assim, quero cumprimentar a todos os participantes, a começar pelo Thiago Grillo, e aproveitar minha estreia para discutir algumas ideias ligadas às transformações que vêm ocorrendo no nosso Estado de Minas Gerais.
O lapidar trecho de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que citei acima, ilustra a relação dialética singular existente entre Minas Gerais e o seu lugar no mundo. Desde os primeiros momentos da exploração aurífera até os atuais desafios da modernização produtiva, Minas se desenvolveuintegrada à economia mundial. Nesse sentido, a ampliação da visibilidade e da presença do Estado de Minas Gerais no cenário internacional atual exige um duplo cuidado: por um lado, uma grande capacidade logística do setor público de atrair investimentos, apoiar a diversificação dos laços comerciais e investir na multiplicação de parcerias com territórios, estados e províncias-irmãs, em todos os continentes. Uma inserção bem sucedida no mundo, por outro lado, não se faz sem o desenvolvimento e a prosperidade dos vastos “sertões” onde vivem cerca de 20 milhões de brasileiros e se produz parcela importante da riqueza nacional.
Esse movimento de abertura de Minas Gerais ao exterior se processa em paralelo às estratégias de outros estados brasileiros de criar parcerias com outros países e atrair a comunidade internacional de negócios. A cultura da internacionalização dos entes subnacionais brasileiros ganhou dinamismo a partir da década de 1990 e deu força à chamada diplomacia paralela ou paradiplomacia, atividade que se desenvolve às margens e em consonância à diplomacia central executada pela União. Dessa forma, o crescente envolvimento dos Estados federados e dos municípios brasileiros com as complexidades do ambiente internacional é reconhecido pelo Governo Federal como um fenômeno emergente e legítimo, mas que exige profissionalismo e planejamento constantes.
A partir do momento em que Minas se torna mais próspera, desenvolvida e integrada, cresce sua importância na realidade doméstica e na cena internacional.Na linha de Guimarães Rosa, para crescer e se desenvolver no mundo de hoje, é preciso “sair do sertão“, levar Minas para o mundo e trazer o mundo para Minas. Nos últimos oito anos, temos conseguido aproveitar a mudança dos marcos conceituais e estruturais que redimensionaram o papel das unidades subnacionais brasileiras para nos posicionarmos na vanguarda do país, conciliando o desejo crescente de nos internacionalizarmos com a reformulação do nosso modelo de administração pública. Entre 2003 e 2010, Minas vivenciou um período de importantes transformações, capitaneadas por iniciativas reformistas voltadas à modernização da gestão pública, à perseguição de metas e resultados por parte do Governo e à busca de um novo padrão de desenvolvimento econômico e social.
No âmbito dessas iniciativas, Minas Gerais também buscou intensificar sua presença no exterior para projetar a imagem de um Estado competitivo e institucionalmente estável, capaz de atrair mais investimentos e alinhar as suas ações estratégicas com a agenda internacional de desenvolvimento sustentável. Essa diretriz ganhou substância com a criação, em 2003, de uma Subsecretaria de Assuntos Internacionais, no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado. Essa estrutura teve por escopo coordenar o relacionamento institucional e as missões negociadoras do Estado junto aos organismos internacionais multilaterais e bilaterais, bem como assessorar as demais entidades do governo mineiro em relação aos assuntos externos. Tais avanços levaram o Estado a ser reconhecido como um dos precursores no Brasil da chamada paradiplomacia, a diplomacia realizada por entes subnacionais.
Dando continuidade aos esforços de internacionalização realizados na administração anterior, em 2011 o atual governo transformou a estrutura existente numa Assessoria de Relações Internacionais, diretamente ligada à Secretaria-Geral da Governadoria do Estado. A criação de um órgão específico para a organização e planejamento da inserção do Estado na cena internacional viabilizou um crescimento sistemático e consistente de missões e de atividades ligadas a autoridades e instituições internacionais. Além da recepção de chefes de governo e representantes de regiões, provínciais e estados com os quais Minas Gerais mantém ou pretende ampliar contatos, o Governador AntonioAnastasia travou contatos com dezenas de embaixadores e liderou duas grandes missões ao exterior, visitando o Japão e a Índia,juntamente com dezenas de empresários. É importante salientar que a coordenação da agenda de missões e receptivos internacionais com as ações dos órgãos da administração pública mineira amplia extraordinariamente as oportunidades de criação de parceriais e enlaces bilaterais.
Cumpre destacar, ademais, que um dos pontos fortes do processo de internacionalização do Estado de Minas Gerais é o seu caráter de política pública, percorrendo os diversos órgãos do Estado e as instituições parceiras, integrando atores governamentais e externos em torno de uma rede de articulação capaz de conciliar autonomia, independência e compartilhamento de objetivos comuns. Assim, amplia-se a cultura internacional nos órgãos da administração direta e indireta do Estado, institucionalizando suas ações na área externa. Nessa linha, as ações de cooperação internacional com entes federados estrangeiros, Cidades-Estado e organismos internacionais possibilitam a prospecção de oportunidades internacionais, a elaboração de agendas de trabalho, a negociação de acordos de cooperação e a criação de um ambiente cooperativo que maximiza os ganhos para as partes envolvidas.
No que toca à área de investimentos e negócios, Minas Gerais tem buscado promover ações para prospectar potenciais investidores que atuem em áreas convergentes com os seus objetivos estratégicos de desenvolvimento. Outra meta perseguida é a utilização dos instrumentos de cooperação técnica internacional para o fomento da qualidade do capital humano e do estoque de conhecimento disponível na sociedade. Nessa direção, a intensificação da capacidade de indivíduos e empresas de transformar esses conhecimentos e competências em fatores de competitividade representa uma alavanca para a modernização e diversificação da economia mineira. Por fim, a Assessoria de Relações Internacionais busca otimizar os seus contatos com os representantes dos órgãos da administração pública mineira. A Rede de Articulação Internacional do Estado de Minas Gerais possibilita o diagnóstico, a prospecção, a operacionalização e a avaliação de projetos de cooperação internacional, formando capacidades para a sua implementação e gerenciamento.
Levar Minas para o Mundo e trazer o Mundo para Minas, integrando os sertões das Gerais com os vastos sertões do mundo: eis a nossa missão precípua. Como afirmava Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, “O sertão está em toda parte“.
ENRIQUE CARLOS NATALINO
Bacharel em Direito e Mestre em Administração Pública, é atualmente Assessor Internacional da Governadoria do Estado de Minas Gerais e Professor da Faculdade de Direito da PUC Minas