A América Latina e sua Evolução Recente

Aproveitando o ensejo das comemorações dos vinte anos da criação da Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, da Fundação João Pinheiro, considerada a melhor instituição acadêmica do Estado de Minas Gerais, trato de um tema que foi um dos meus principais focos de interesse durante o mestrado em Administração Pública que concluí nessa […]

Publicado em 02/03/2012 - 15:44    |    Última atualização: 02/03/2012 - 15:44
 

Aproveitando o ensejo das comemorações dos vinte anos da criação da Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, da Fundação João Pinheiro, considerada a melhor instituição acadêmica do Estado de Minas Gerais, trato de um tema que foi um dos meus principais focos de interesse durante o mestrado em Administração Pública que concluí nessa Casa: a trajetória recente da América Latina.

O tema da minha dissertação de mestrado foi “A Maldição do Petróleo na Venezuela: uma análise institucional”. Nesse primeiro artigo de uma série, busco contextualizar a Venezuela de Hugo Chávez no contexto latino-americano dos últimos dez ou vinte anos. Nos próximos, pretendo discutir outros aspectos que ajudam a explicar a problemática relação entre petróleo e desenvolvimento na Venezuela. Meu objetivo é apenas aprofundar os

O jornalista britânico Michael Reid, num livropublicado em 2008, salienta que as nações do Primeiro Mundo mantêm uma atitude indiferente em relação aos progressos galgados pelos países latino-americanos na busca do seu caminho própriopara o desenvolvimento. Para Reid, a região “não é suficientemente pobre para atrair piedade e ajuda”, ou “suficientemente perigosa para estimular cálculos estratégicos” e, até anos atrás, não apresentava um crescimento econômico capaz de “acelerar os batimentos cardíacos dos Conselhos de Administração de Empresas”.

Apesar de ser uma região geograficamente periférica, distante das grandes confrontações mundiais de poder, a América Latina desponta como um laboratório de experimentos e reformas estruturais na organização dos Estados, das sociedades e das economias no começo do século XXI. Assim, dois séculos após a deflagração dos primeiros movimentos de emancipação nacional na região, a inserção da América Latina na modernidade capitalista e democrática continua sendo um desafio.

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O que se coloca, na visão do jornalista da revista The Economist, é a inédita possibilidade de a região poder se afirmar no cenário global, juntamente com a Europa e a América do Norte, como o terceiro maior grupo de autênticas democracias do planeta.

Para que se tenha uma dimensão da consolidação recente da democracia no continente, em fins da década de 1970, somente Colômbia, Venezuela e Costa Rica realizavam eleições livres e competitivas na região. A partir da década de1980, ademocracia representativa expandiu-se para todas as nações latino-americanas, exceto Cuba.

Se por um lado consolidou-se a participação dos cidadãos em democracias eleitorais, por outro se observou uma grande lacuna entre as aspirações populares e as realidades verificadas. Embora a maioria dos países da região esteja vivenciando eleições periódicas há mais de duas décadas, a democracia representativa ainda vive sob a constante ameaça de retrocessos diante de instituições fragilizadas, Estados debilitados e lideranças com inclinações personalistas.

Mas como transformar os frágeis experimentos democráticos latino-americanos em vigorosos regimes capazes de lidar com velhos problemas do subdesenvolvimento e com os novos desafios de uma sociedade globalizada?

Sabe-se que os países que vivenciaram bem sucedidas trajetórias de crescimento econômico e de melhoria do bem-estar social, nas últimas décadas, apresentaram características semelhantes: sólidas bases políticas, credibilidade institucional, escolhas consensuais, boa governança macroeconômica, inserção competitiva na economiamundial, altos níveis de investimento e capacitação de capital humano.

No prefácio que escreveram para a obra coletiva “América Latina, desafios do desenvolvimento e da democracia: governabilidade, globalização e políticas econômicas além da crise” (2009), o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso e o ex-chanceler chileno Alexandro Foxley ressaltaram que o continente vem travando uma longa e incansável batalha contra um histórico de desigualdade e pobreza para tentar estabelecer sociedades mais prósperas, estáveis e justas.Segundo os autores, a América Latina parece ter atingido, começo do século XXI, as condições para uma histórica decolagem econômica e social. Nesse sentido, as reformas econômicas dos últimos vinte anos, e as transformações que ensejaram, foram cruciais para tornar a maioria dos países capaz de aproveitar o ciclo favorável de crescimento mundial.

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Entre 2003 e 2008, verificou-se uma melhoria contínua da renda per capita dos países latino-americanos, algo que não se via desde a década de 1970, além da queda nos índices de pobreza e miséria, redução do desemprego e elevação da qualidade de vida. O ambiente econômico favorável contribuiu para que houvesse uma progressiva consolidação dos regimes democráticos, principalmente no Chile, Uruguai e Brasil.

Nesse sentido, a prevalência da democracia sobre os regimes ditatoriais constitui um salto significativo em direção ao enfrentamento dos relutantes problemas do passado, com a adoção de políticas capazes de administrar pacificamente os conflitos de interesses.

No Chile, os sucessivos governos pós-redemocratização mantiveram as linhas básicas da política econômica do governo ditatorial de Pinochet, combinando-as com um regime democrático forte, políticas sociais sólidas e uma orientação logística do Estado com vistas a maximizar a inserção internacional do país. Além disso, o Estado chileno vem se modernizando continuamente, com a crescente profissionalização de seus quadros burocráticos e os investimentos sucessivos na ampliação da qualidade dos serviços públicos. O Chile se tornou ainda um modelo de sucesso pela qualidade da gestão macroeconômica, marcada por regras estáveis, rígido controle da inflação, abertura ao comércio exterior, administração criteriosa das rendas extraordinárias auferidas com as exportações minerais, equilíbrio fiscal e crescimento contínuo do Produto Interno Bruto (PIB).

Cardoso e Foxley, porém, ressaltam que “as questões políticas, econômicas e sociais não podem ser analisadas e conduzidas isoladamente”, pois “estão fortemente inter-relacionadas”. Ou seja, elas devem ser tratadas como movimentos em direção a uma ordem política e institucional mais legítima, democrática, competente e inclusiva, capaz de viabilizar a redução das desigualdades e a integração de camadas excluídas dos países latino-americanos à cidadania plena.

Malgrado os incontestáveis avanços auferidos nas últimas décadas, os autores apontam para a necessidade de um novo ciclo de reformas para tornar os países da região mais estáveis e democráticos, as economias mais dinâmicas e flexíveis e os regimes de proteção social mais sustentáveis. A agenda de modernização e democratização da América Latina permanece, dessa forma, incompleta, carente de um empuxo político semelhante ao do começo dos anos 1990.

Embora bem sucedidas no Chile, no Brasil e em outros países, as reformas de mercado transformaram-se em alvos de constantes ataques em outras nações latino-americanas. Movimentos de contestação, oposição e banalização dessas reformas ganharam destaque, em especial, nos países onde elas foram incompletas, mal implementadas ou negativamente percebidas, caso da Venezuela.

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Na década de 1990, enquanto outros países latino-americanos consolidavam sua transição para a democracia, o longevo regime democrático venezuelano entrava em crise com a desorganização da economia petroleira, as sucessivas revoltas populares, as tentativas de tomada do poder via golpes de Estado, o impeachment de um presidente da República e a implosão do sistema bipartidário.

Nesse sentido, uma pergunta que se coloca é por que as instituições venezuelanas não conseguiram acomodar a débâcle econômica, a crise social, as agitações militares e o descrédito da população nos partidos políticos tradicionais, permitindo a ascensão de um tipo de populismo que já se considerava em extinção na América Latina. Em outras palavras, como explicar o fenômeno Hugo Chávez?Nos próximos artigos, tentaremos responder a esta e a outras questões.

 

ENRIQUE CARLOS NATALINO, bacharel em Direto e mestre em Administração Pública, é professor universitário e assessor de relações internacionais da Governadoria do Estado de Minas Gerais.


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