Eu sempre achei que em Espera Feliz nada me atingiria. Minha cidadezinha, meu berço, meu refúgio… impossível qualquer coisa abater essas terras aqui. Não importa onde eu estivesse, eu sempre soube para onde ir. Brasília virou um caos? Partiu Espera Feliz. Ameaça de terceira guerra mundial? Espera Feliz. Ameaça de terrorismo? Moço, me vê a primeira passagem para Espera Feliz.
No fundo, eu sabia que essa minha segurança tinha um pouco de ingenuidade. Que lugar é esse tão sagrado no mundo que mal nenhum pode abater? Resposta fácil: é a minha casa. Espera Feliz sempre foi fortaleza. Talvez você, meu conterrâneo, ou visitante que esteve de passagem, tenha sentido isso: ao entrar na cidade e passar por aquele portal de “Bem-vindo a Espera Feliz” a sensação é de chegar ao lugar mais confortável e acolhedor do mundo, que vai te conectar com a energia que tem no nome, a de ser feliz.
É mágico passar por aquele portal. E não tem quem me convença do contrário. Mas não é só essa minha busca incessante por lugares mágicos que me faz acreditar que Espera Feliz é uma fortaleza. Nasceu aqui a busca por liberdade nos anos 60. Por aqui passa o Caminho da Luz, rota de peregrinação considerada o “Santiago de Compostela” brasileiro. É na nossa fonte que o caminhante se sacia com a mesma água que os tropeiros bebiam no século XVIII. Tem como pensar que é possível estar desprotegido aqui? Eu nunca pensei.
Até que veio a água e destruiu tudo. Depois de quase uma semana de chuvas contínuas, as águas do São João invadiram as ruas. Dos bairros mais vulneráveis aos órgãos públicos, tudo foi levado. Pessoas ficaram desabrigadas, desalojadas e desaparecidas. Tiveram os que perderam em dobro: casa e trabalho. A tristeza tomou conta e não tem como sair ileso. Não é só sobre tirar a lama que cobre o chão. Vai além. É não deixar que ela endureça o coração. É reconstruir o lugar mágico que conecta com ser feliz. O coração tá encolhido. A sensação de impotência paralisa. Mas descobri que o que faz de Espera Feliz fortaleza não é a Serra do Caparaó, nem as trilhas peregrinas. É o esperafelicense, sentinela fiel, guerreiro forte, implacável e com DNA único: esperança e fé mudam o mundo.
Por Sylvia Dimittria.