Este é um artigo ou crônica pessoal de Paulo Faria.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Não sei bem o que e como exprimir nestas linhas quem foi Andre Matos que faleceu no dia 08 de junho aos 47 anos de idade e o que ele significou pra mim e mais uma geração de pessoas, pois qualquer coisa que eu disser não chegaria aos pés da genialidade deste extraordinário músico que simplesmente mudou os paradigmas da música pesada no Brasil, representou o nome do nosso país pelo mundo e teve uma obra tão completa que é difícil dimensionar. Mas vamos lá.
Apesar de informações básicas sobre o músico estarem nos principais sites especializados em rock e heavy metal, vale aqui um resumo: Andre Matos foi um multi-instrumentista, maestro, compositor e cantor com uma voz única no universo musical. Fundou as bandas Viper, Angra, Shaman e participou de inúmeros projetos musicais fora e dentro do Brasil.
No Viper, com apenas 18 anos e com seu segundo álbum, “Theatre of Fate”, ganhou disco de ouro no Japão. Descontente com os rumos musicais que o Viper estava tomando e querendo se dedicar aos seus estudos musicais abandonou a banda no auge até que em 1993 gravou o disco “Angels Cry” com sua nova banda, o Angra – simplesmente a maior obra-prima do metal melódico no qual se encontra todo o peso do heavy metal mesclado com a erudição da música clássica. Um petardo. Com este álbum o Angra também alcança disco de ouro no Japão assim como os dois seguintes “Holy Land”, 1996; e “Fireworks”, 1998.
Por divergências com o empresário do Angra à época (só por curiosidade, o empresário era o Antônio Pirani, que também era dono da extinta revista Rock Brigade), Andre Matos sai de sua segunda banda outra vez no auge (o Angra estava excursionando por diversos países da Europa e no Japão alcançando recordes de público) em busca de novos horizontes. Em 2002 lança o primeiro disco com sua nova banda, o Shaman.
Intitulado sob a alcunha de “Ritual”, mais progressivo e com influências mais folclóricas que os trabalhos anteriores que Andre participou, chama a atenção o conceito que o álbum traz, desde a capa até as sonoridades atípicas embaladas dentro de um disco de heavy metal que trata de diversas culturas, principalmente indígenas com ênfase no xamanismo. Por conta disso, pode ser notado nas composições o uso de instrumentos que criam uma atmosfera bastante peculiar e enriquecedora nas músicas como tambores celtas, gaita de fole, flauta barroca, viola entre outros. E mesmo com toda essa peculiaridade, o Shaman emplaca a lindíssima balada “Fairy Tale” na novela da Rede Globo “O Beijo do Vampiro” naquele mesmo ano de 2002. Mais uma obra-prima, enfim. Paro aqui.
Ficar resenhando obras que Andre Matos criou é como fazer chover no molhado. O que quero falar é o que este artista representou na minha vida como inspiração cultural e pessoal. Foi como eu disse chocado numa das minhas redes sociais logo após saber da fatídica notícia da morte do músico: “Uma parte da minha adolescência, do meu conhecimento musical, da minha história, da minha formação cultural e pessoal morreu hoje”. Sim, meus caros, não é exagero. Lembro-me de no começo dos anos 2000 ter conhecido o Angra, o que me fez mergulhar de vez dentro daquele universo do heavy metal melódico. Na verdade, minha apreciação pelo metal pesado se deu através de hinos como “Angels Cry”, “Carry On”, “Lisbon”; bem antes de conhecer de fato bandas como Iron Maiden ou Helloween, por exemplo.
Nostalgicamente, também me lembro de me reunir com meus melhores amigos à época para escutarmos a tarde aquela lindíssima voz aguda embalada pelos pesos das guitarras, bumbos duplos e orquestrações magistrais. O sentimento é indescritível; não dá pra narrar aqui. Eram (e são) emoções tão profundamente etéreas que não acredito que dê para explicar este fenômeno como algo que não seja metafísico. É o encanto mágico da arte. Estranhamente, quando fecho meus olhos hoje, consigo mentalizar há 20 anos as mesmas sensações que eu sentia nos rostos dos meus amigos.
Extremamente culto, Andre Matos era poliglota e possuía um conhecimento musical e de mundo vasto; e como todo gênio, era inquieto e indomável, e essa sua inquietude o fez prosseguir depois de abandonar suas bandas, partir para carreira solo, participar de projetos musicais mundo afora, voltar a fazer participações com seus antigos grupos, fazer turnês comemorativas, mas sempre de olho no futuro; sempre de olho na sua arte. Palavras de Kiko Loureiro, ex-guitarrista do Angra: “No Brasil, todos os artistas de heavy metal melódico queriam ser como o Andre. Ninguém conseguiu”.
Na música “Make Believe”, de 1996, Andre Matos escreveu:
“Traga para mim
Algo além de um coração partido
Eu não vou esperar até que a minha vida seja desperdiçada
Talvez eu queira morrer um outro dia
Outro dia
Outro dia
Outro dia…”
É, Andre, você poderia ter demorado um pouco mais para ir embora; poderia ter deixado para morrer outro dia, mas infelizmente não deu, e isso partiu nosso coração. Dimensionar isso também é impossível.
Outra coisa triste de saber é que além da perda do músico a TV aberta ignorou a existência de um dos maiores gênios da música mundial, que levou o nome do Brasil para o exterior, e o fato também de que poucos nomes famosos se manifestaram sobre sua morte.
O Brasil só é conhecido por quatro coisas mundo afora: corrupção, futebol, carnaval e putaria e o nosso heavy metal. Mas é impressionante como o último item é desprezado pelo grande público (brasileiro, claro) e pela nossa grande mídia. O que vou dizer pode perecer ressentimento, mas é apenas uma constatação da realidade: somos uma nação de miseráveis em poder aquisitivo, de ética, moral e educação, e por isso mesmo, qualquer um que consiga produzir heavy metal, mesmo se tornando um grande expoente (como o Andre, por exemplo) é simplesmente ignorado ou desprezado.
Mas não importa o quão decadente nossa nação seja: o legado de Andre Matos está escrito nos corações daqueles que pelos quatro canto do mundo apreciam a verdadeira arte. A música era pesada, mas o sentimento emocionantemente leve, sublime.
Então é isso, meus caros. Depois de escrever este texto com a chuva caindo em preto e branco, só me resta pegar meus CD’s, ir para o quarto com o coração partido, fingir que os céus não estão caindo e tentar seguir em frente. Seguir em frente…
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Abaixo, um vídeo emocionante de um minuto com um depoimento de Andre Matos datado de 2003, que segundo fontes da internet, supostamente seria usado para um documentário e outro com a música “Lisbon”, do álbum do Angra, “Fireworks”, de 1998, a minha preferida entre todos os trabalhos que Andre Matos participou:
Depoimento
“Lisbon”, Angra, 1998:
Por Paulo Faria.
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Paulo Faria é um amante do cinema de horror e rock ‘n’ roll. É professor por formação, humorista por conveniência e escritor por aspiração.