Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Início de sábado à noite e o trio de rapazes se encontra no Coffee Beer. Nas mesas ao lado, distribuídas pela larga calçada de esquina, famílias dividem pizzas, casais entrelaçam as mãos e adolescentes lancham hambúrgueres com Coca-Cola.
Enquanto aguardam as batatas recheadas, os três camaradas tomam Heineken e conversam sobre música, lei do aborto, vida alienígena e sugestões mirabolantes para salvar o Brasil. É quando um deles, observando o espectro esverdeado da garrafa refletido sob as lâmpadas pendendo do castanheiro, fala da dinâmica da cidade que, aos poucos, migrou o centro boêmio do Calçadão para a rua Henrique Gripp Filho e avenida Jaime Tolêdo.
Depois de pagarem a comanda, o trio atravessa a rua até a Casa Mari onde conhecidos, entre cervejas artesanais e taças de vinho tinto, petiscam filé-mignon ao molho madeira e legumes confitados com mostarda e mel. Ao saírem, cada qual com uma long neck da Vom Bergen Guerrilha nas mãos, comentam que o charme da Reta faz dela uma espécie de Champs-Élysées esperafelicense – só que, em um dos extremos, o Morro da Canoa fazendo a vez do Arco do Triunfo; e, na outra ponta, no lugar do Museu do Louvre, o antigo Bailão do Marcinho.
Mas é no balcão do Bar do Banana, local peculiar no coração da cidade, onde o grupo apoia os cotovelos para ouvir as histórias do Fernando Pinho, que pega uma Brahma no freezer e coloca Dire Straits para tocar no mp3. Atentos, ouvem as narrativas de uma Espera Feliz de quando nenhum daqueles três mosqueteiros ainda havia nascido – e das viagens de Fernando ao redor mundo, como mostram as fotografias coladas na parede.
Ainda não são 9 da noite quando o trio, já em gargalhadas altas de piadas repetidas, adentra o Recanto Mineiro para discutir um Flamengo e Cruzeiro da semana anterior. Ao lado do bar, por entre as antigas portinhas da João Alves de Souza, a velha-guarda joga buraco sob uma turva nuvem de fumaça de cigarro. Em seguida, os três se dispersam momentaneamente no cruzamento da Reta com a João Sebastião de Amorim e tomam rumos distintos.
Um deles compra um churrasquinho e uma lata no Quiosque do Baú; o outro se encontra com colegas no Zero Grau; e o terceiro reparte uma cerveja com conhecidos no Boca do Povo. Conectados pelo WhatsApp, planejam à distância seus próximos passos para dentro desta noite iluminada pelos postes e farol dos carros. Minutos depois, reencontram-se no Tomate Seco Bistrô, onde um grupo de amigas oferecem cadeiras e irrecusáveis companhias sob os aquecedores a gás à beira da calçada.
O Chef Dênis, com seu característico avental de cozinha, solicita mais copos à mesa e lhes pede opiniões sobre uma nova receita que está testando. Na outra esquina, a Açaiteria apaga suas últimas luzes ao encerrar o expediente nesta noite fria. As garotas, todas independentes, imponderadas, inteligentes e lindas falam sobre trabalho e política enquanto os três rapazes, já pisando em nuvens ao redor da mesa, tentam ser atraentes como uma trinca de ases numa rodada de pôquer – ao mesmo tempo que se esforçam para não parecerem patéticos 2 de paus num carteado de bisca.
Mas a uma da manhã as amigas se despedem e o trio, a contar estrelas, continua a saga noturna em direção ao Snooker Bar. Com sertanejo intoxicando cada centímetro cúbico do ambiente, pedem uma gelada e três fichas de sinuca. Porém, por terem na mira duas bolas no lugar de uma, desistem do jogo e se sentam à mesa de plástico entre a porta e a calçada, onde um casalzinho divide perfumados tragos de um paiol de mama-cadela.
Como a noite de Espera Feliz, a esta hora, fecha suas portas num inevitável efeito dominó, o trio percebe o alarido de gente esticando a madrugada no início da rua da Loteria e parte a prumo como se escorasse firme numa bengala imaginária.
No Bar do Alemes, último reduto para quem a noite é uma criança, o movimento se estende em mesas pela calçada estreita e em mãos disputando a paciência dos garçons no balcão. Dentro e fora do estabelecimento, jovens tomam vodka com energético, mocinhas em roupas justas flertam universitários com boné da Oakley, cowboys com chapéu e fivela desabotoam a camisa xadrez, senhores solitários e tristes se apoiam ébrios no chapisco dos muros e os três amigos, que há pouco falavam de galáxias, literatura e política discutem se a música que vem do Pálio prata em frente à Copasa é do Guns N’ Roses ou do Wesley Safadão.
É nesta hora que o grupo decide que “por hoje é só, pessoal!”, despedindo-se em caretas bobas como se projetassem um no outro memes de si mesmos – e amanhã, ao acordarem na ressaca de um domingo cinzento, quase não terão lembranças desta noite que terminou da mesma forma que começou: no zero a zero.
Por Farley Rocha.
Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com