Farley Rocha

Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

Quando aviões assaltaram de pavor a cidade

Passou tão rápido que quando corremos à janela, a máquina alada já havia alcançado as raias da Rua Nova.

Publicado em 15/09/2023 - 14:35    |    Última atualização: 15/09/2023 - 14:36
 

Quando pequeno queria ser piloto de avião – este sonho mais plausível do que ser astronauta ou jogador da seleção.

Queria ser piloto não pelo ancestral impulso dos homens de conquistar o ar, tirar os pés do chão por sempre viver com a cabeça na lua. Mas devido à uma experiência tão marcante quanto aterradora – ou seria decoladora? – que até hoje guardo lembranças nítidas.

Tinha lá uns seis anos de idade. Estávamos na casa da vó Maria, tomando café da tarde na cozinha, de onde se via pela janela a monotonia da cidade pairando lá fora. Quando de repente, como se um trovão partisse ao meio o céu das cinco, ouvimos um estrondo ensurdecedor que fez gemer o telhado e as madeiras do assoalho. O que será isso, Deus meu?!, acudiu minha avó com as mãos à cabeça. Era um avião que cruzava baixíssimo sobre as ruas e casas de Espera Feliz.

Passou tão rápido que quando corremos à janela, a máquina alada já havia alcançado as raias da Rua Nova e dobrava por sobre os morros no sentido de São Sebastião da Barra.

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Segundos depois, outra explosão de igual assombro estremeceu nossos tímpanos e aí sim, pudemos ver com clareza: era um caça Northrop F-5 Tiger II, com sua fuselagem toda camuflada de verde e cinza, catando cavaco no vácuo deixado pelo anterior.

Em seguida, o que tinha passado primeiro retornou às nossas vistas, só que agora vindo de outra direção. Despontou por detrás do Morro do Cruzeiro, sobrevoou o Parque de Exposição e embicou-se com a mesma rapidez de antes rumo ao hospital.

A impressão era a de que voavam a pouca altitude dos tetos – uns 40 ou 50 metros se muito. Tanto que em uma das acrobacias pudemos visualizar os pilotos através da cabine, encapsulados num capacete cor de chumbo no qual refletiam luzes vermelhas do painel de controle.

Ambas as naves repetiram mais duas vezes a manobra aérea e desapareceram no horizonte no mesmo átimo com que surgiram.

Atônitos, saímos à calçada para tentar entender o que acabávamos de presenciar, onde também se reunia em polvorosa a vizinhança tão assustada quanto incrédula.

Qual a probabilidade de dois caças de guerra sobrevoar Espera Feliz numa longínqua tarde de 1988? Pareceria mentira se não os tivesse visto de perto, ou invenção insólita da mente fértil de um futuro escritor. Mas o fato é que aconteceu de verdade e os mais velhos hão de se lembrar desse ocorrido. Eram dois jatos relâmpagos, dirão as testemunhas, voando tão rente ao solo que arrepiaram a copa das árvores e as antenas de TV.

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Mais tarde, soubemos que se tratava de um treinamento da Força Aérea Brasileira, que sei lá por que cargas d’água escolheu a região do Caparaó para adestrar seus pilotos.

Depois disso, e durante muitos anos, é que me veio a vontade de eu também um dia me tornar aviador – não para cruzar terras e mares pelas alturas, mas para rodopiar com um F-5 a torre da Matriz e estarrecer outras vovós com o tiro sônico das poderosas turbinas.

Por Farley Rocha.

Sobre Farley Rocha

Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com


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