Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Não há sentimento capaz de mobilizar mais a comoção de um povo do que aquele despertado pelas tragédias. A consternação pelo caso Jane Cherubim, moça brutalmente espancada pelo namorado há exatamente uma semana, é a infeliz comprovação de que, apesar de nossas arrogâncias, mesquinhez e convicções políticas, somos irremediavelmente humanos.
E é por este senso de humanidade que somos capazes de nos colocar no lugar do outro, sentir a dor que o outro sente, numa espécie de angústia coletiva que aflige até mesmo quem não possui ligações com as pessoas envolvidas.
De um lado, tem-se a imagem da mulher com a jovialidade do rosto desfigurada pelo ódio e violência de um homem ciumento. Nem que hajam as mais esclarecedoras explicações para suas motivações, jamais encontrará razões plausíveis que justifiquem tal barbaridade. E de outro lado, ainda que a reprovação do ato seja unânime por parte de todos, há a imagem da família do agressor igualmente dilacerada pela insanidade que quase tirou a vida de uma jovem mãe, que também é filha, e que também tem familiares os quais sentem as dores como se as pancadas de morte tivessem sido em sua própria carne.
A notícia de um acontecimento como este nos cai como uma bomba, pois é impossível não se solidarizar com o sofrimento da vítima diante da gravidade do atentado que sofreu. Mas também é difícil olhar para os parentes do criminoso e não se solidarizar com a agonia que cada um traz no coração. O sentimento de revolta despertado por tal monstruosidade é natural, e julgar o agressor é sim uma consequência legítima. Porém, a responsabilidade sobre seu ato deve ser atribuída somente a ele. Até que todo o caso seja esclarecido pela justiça, o mínimo que podemos fazer é nos sensibilizar, principalmente pela vítima, mas sem deixar de nos compadecer pelo sofrimento dos familiares do agressor que, mesmo não tendo culpa, já suportam o terrível fardo da atrocidade cometida por um dos seus.
Apesar dos ferimentos e dos riscos que correu, além de estar a salvo e em plena recuperação, Jane tornou-se sobretudo um símbolo de resistência dos casos de feminicídio no Brasil, já que o ocorrido tomou conhecimento de proporções nacionais. Embora o trauma seja uma chaga que somente o tempo poderá curar, o fato de ter sobrevivido a tamanha covardia faz dela uma heroína, que será sempre lembrada não pelos hematomas que, por enquanto, são visíveis em sua face, mas pela demonstração de força, fé e esperança de alguém que vivenciou uma dramática experiência, superada apenas por quem possui a virtude dos que tem garra – não poderia ser diferente, já que traz nome de anjo na própria assinatura.
Também recai um mérito de igual valor sobre seus irmãos, que a socorreram a tempo após o atentado, e todos os seus familiares, que se mobilizaram numa grande corrente de amor e atenção por sua vida. Pois a união demonstrada por eles em um momento tão delicado e doloroso nos fica de exemplo, para que se desperte ainda mais a humanidade que existe em cada um de nós.
Hoje a cidade ainda permanece de luto, pelo sofrimento da vítima, de seus pais e irmãos, pela desolação da família do agressor, pela clemência de justiça. E mesmo que o tempo cuide de recolocar as coisas em seu devido lugar, que o luto deste drama nos sirva de reflexão sobre aquilo que somos para nós mesmos e para o outro. Que o povo de Espera Feliz, diante da inevitável comoção despertada por este triste capítulo de nossa história, seja um modelo de superação e respeito no qual todo o país precisa se espelhar.
Porque somente o amor ao próximo é capaz de apaziguar a vida e enxugar as lágrimas pelas tragédias do mundo.
Força, Jane! O Brasil inteiro merece vê-la sorrindo de novo!
Por Farley Rocha.
Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com