Farley Rocha

Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

Marley e Ela

Seriam apenas histórias de ficção para emocionar plateias não fosse o fato de que na vida real a experiência é muito mais intensa.

Publicado em 04/10/2023 - 10:35    |    Última atualização: 04/10/2023 - 10:35
 

* Ouça a narração da crônica clicando no vídeo abaixo:

Quem já assistiu ao filme Marley e Eu entende que o laço que desenvolvemos com um cão é tão forte quanto com outro ser humano. Como também Sempre ao seu Lado, que mostra que a relação entre um cão e seu tutor pode durar para além da morte.

Seriam apenas histórias de ficção para emocionar plateias não fosse o fato de que na vida real a experiência é muito mais intensa.

Porque penso em Otto, o nosso shih-tzu de três anos e meio, e na reação acrobática com que nos recebe à porta quando chegamos. Penso em Mickelly, a pequinês que tínhamos na infância, e no gesto humilde de nos olhar da varanda quando saíamos. E também penso em Marley, o cão meio chow-chow meio husky da minha amiga Paula, que prenunciava com latidos na janela sua comoção sincera por vê-la na calçada de casa.

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Ao contrário do que parece, seu nome não faz referência ao filme, mas ao Bob da Jamaica, que com sua música contagiava a todos com o mesmo carisma que o cão da minha amiga nos contagiava.

É que Marley era daqueles animais que metem medo e fascínio. Com pelagem espessa e postura imponente, ele tinha a autoridade de um lobo do Ártico, mas o caráter dócil de uma pelúcia de cabeceira. O timbre de trovão que reverberava da garganta facilmente o confundia com uma fera; e no entanto, bastavam duas ou três cheiradas para ter em quem chegava um novo amigo.

Uma vez, comemorávamos qualquer encontro festivo na casa de Paula. Ao redor da mesa com copos e garrafas conversávamos e riamos ao som de um samba. Entre a agitação das pessoas, Marley arranjava um jeito de se enturmar, achegando-se de mansinho por entre as cadeiras, esgueirando seu focinho nos espaços que encontrava, e quando menos se esperava, estava lá ele acomodado junto ao grupo, participando do encontro como se fosse um de nós.

Conhecendo Paula – e sua compaixão por animais abandonados – não era difícil compreender o amor que dedicava ao Marley. Pois de algum modo, sua vocação para cuidar de bichos se convertia àquele cão como se ele próprio representasse todos os cães rejeitados no mundo. Marley sabia disso e em troca retribuía-lhe com proteção e afagos de cachorro feliz.

A afeição que muitos temos pelos cães é quase um dom especial. Por isso que, não por acaso, esses seres puros de alma iluminaram a inspiração de escritores e artistas. A estátua de Clarice Lispector no Leme, por exemplo, tem a companhia eterna de seu vira-latas Ulisses; o quadro Aparição de Rosto e Vaso na Praia, de Salvador Dali, mostra em evidência o contorno surrealista de um beagle. E minha amiga Paula, nos porta-retratos espalhados pela sala mantém viva a imagem do seu querido Marley, inspirando seus dias e, a partir de agora, iluminando também suas memórias.

Pois há poucas semanas o cão de Paula partiu. Não haverá mais seus latidos na janela nem sua personalidade de quase-gente se enturmando junto à mesa. Mas de alguma forma, seus onze anos de história serão lembrados como aqueles cães que vemos no cinema – num longo e emocionante filme que poderia muito bem se chamar Marley e Ela.

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Por Farley Rocha.

Sobre Farley Rocha

Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com


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