Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Alguém contava que por aqui havia um menino comum, desses que um dia crescem, se casam e têm filhos. Dizem que tinha a mania de se deitar no chão do quintal, entre xaxins de samambaia e pés de couve, para ficar brincando de avião quando um passava no céu.
Não piscava, não dizia nada. Só ouvia o ruído distante e tardio das turbinas e acompanhava com os olhos a trajetória da nave em linha reta, como se cruzasse a órbita da sua imaginação. Talvez no silêncio buscasse respostas para perguntas que ainda não sabia nem mesmo formular: como entender a estranha força que faz o metal levitar? Como se dirigia aquela máquina? O que encontraria se acompanhasse o risco de nuvem branca no azul quando o avião sobrevoava? A fábrica de aviões? Um campo verde aonde pousavam?
Uma vez, quando mirava um jato a muitos mil pés acima de sua compreensão, o menino adormeceu, deitado ali mesmo entre a horta e a goiabeira. E sonhou.
Sonhou que de algum modo ele podia chegar ao céu e um avião zunia ao seu lado quando decidiu segui-lo. Caminhou sobre o tapete de nuvens por muito tempo mas, chegando ao fim, não encontrou nenhum campo de grama nem fábrica de aviões. Encontrou o imprevisível: o lugar aonde se fabricavam os sonhos.
Quando acordou percebeu que já não era mais um menino sujo de terra. Ao homem que havia se tornado ainda era permitido voar, desde que mantivesse firmes os pés no chão – era enfim um piloto de aviões.
Por isso, agora pilotava não para realizar a possibilidade de voar. Mas para resgatar do tempo a ingênua capacidade de poder sonhar.
Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com