Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Já é noite quando chegamos ao Vale do Paraíso. Da descomunal cordilheira da Pedra Menina, só vemos um borrão escuro contra o reflexo de um céu de nuvens. Paramos o carro no Sítio Santa Rita, um dos berços da produção dos cafés finos da região, onde viemos curtir o Coffee Rock 2018.
Idealizado pelo barista e músico Fred Ayres, sócio-proprietário d’A Cafeteria, o evento surgiu no outono de 2016 com o objetivo despretensioso de reunir alguns amigos músicos para celebrar o Dia Nacional do Café e início da temporada de colheita. Mas o Coffee Rock foi tão certeiro que, desde então, vem se firmando como festa pioneira no circuito dos cafés especiais e um dos acontecimentos mais bacanas da Serra do Caparaó.
Ao chegarmos, cumprimentamos os amigos e acenamos aos conhecidos que se aglomeram em pequenos grupos nas mesinhas adjacentes, nos puffs sobre o gramado e no deck d’A Cafeteria. Contrariando a expectativa para esta época de maio, não faz frio. O que contribui para que o público se sinta ainda mais à vontade ao som da Coffee Jam Big Band, que toca Beatles e Queen no pavimento inferior enquanto crianças brincam de pique em frente ao palco.
Além do ambiente doméstico e familiar, o que torna esta festa ainda mais fascinante é o local onde ela é feita, pois tudo aqui é naturalmente temático, a começar pela entrada do sítio. Uma estradinha de terra – margeada por cercas, açudes, laranjeiras, pastagens, casas de meeiros e casarões do início do desbravamento da serra – conduz até o alto de uma colina, onde há o estacionamento instalado no meio das lavouras de café. Ao se caminhar para a festa, organizada na área comum entre a cafeteria, a hospedagem e a sede do sítio, é preciso atravessar o terreirão de pedra de secagem dos grãos circundado pelas tulhas, paióis, garagens com veículos de trabalho, barracões de beneficiamento e sentir, por toda parte, o aroma adocicado dos micro-lotes de café fermentando sob as estufas. Tudo exatamente igual como é no dia-a-dia da propriedade.
Depois de comprar uma IPA artesanal no stand da Cervejaria Vom Bergen, de onde ouço a banda Frogvill tocando Reptilia, encontro o patriarca da família Lacerda e proprietário do Sítio Santa Rita, o Sr. Tarcísio, com quem aproveito quinze minutos de prosa para aprender um pouco mais sobre cafés especiais, turismo rural e sua importância para a economia local. É quando constato – o que há muito já suponho – que nossa verdadeira identidade, desde a forma de falar, de agir e de pensar, vem de nossa raiz camponesa moldada pelo clima e pelas paisagens montanhosas da Serra do Caparaó.
E é justamente essa a essência do Coffe Rock, um evento de requintado bom-gosto e antenado com as tendências do gênero no Brasil e no mundo, mas sem soar elitista ou segregador, pois destaca como característica principal o vínculo hereditário que temos com a vida simples da roça – o que realça ainda mais nosso sentimento de pertencimento e oferece um genuíno atrativo para quem nos visita.
Enquanto bebo meu segundo copo de cerveja e troco ideias sobre futuros projetos com o pessoal do grupo de pedal Elo das Montanhas, lembro da edição anterior do evento, que foi sede do III Campeonato Brasileiro de AeroPress e contou com a participação de competidores nacionais e estrangeiros. É aqui que meus pensamentos viajam – mais pelo entusiasmo do momento do que pelo efeito da birita – e fico imaginando como será Espera Feliz daqui dez anos, se soubermos (população e Poder Público) aproveitar esse fenômeno dos cafés especiais do Caparaó como marca de identidade e mola propulsora para o nosso desenvolvimento. No palco, a GoodFellas executa Creep, do Radiohead.
É por isso que A Cafeteria vem se despontando não só pela qualidade profissional que oferece em seus produtos e serviços, como também pela atitude visionária de promover e valorizar com maestria e responsabilidade o principal patrimônio que a Serra do Caparaó possui: a cultura de sua própria gente, que é tão ou mais especial quanto os cafés que produzimos.
Ao final da noite, meus amigos e eu nos despedimos do Coffe Rock 2018 brindando vida longa ao evento. Do terreirão de pedra, sob o céu encantado do Vale do Paraíso vejo a lua, que parece imitar o mágico e psicodélico sorriso do gato da Alice no País das Maravilhas – num claro sinal de que a charmosa “A Cafeteria” do Sítio Santa Rita é, cada vez mais, a cafeteria mais pop das montanhas do Caparaó.
Por Farley Rocha
Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com