Farley Rocha

Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.

A ponte da Terra Branca

Mas por algum motivo, ali, sobre a ponte, muitas pessoas se encontram. E não é porque simplesmente se encontram no acaso do dia a dia ao atravessarem de uma parte à outra.

Publicado em 19/01/2023 - 14:02    |    Última atualização: 19/01/2023 - 14:02
 

A ponte da Terra Branca é a mais importante da cidade. Não que as outras também não o sejam, já que unem muitas ruas como em pontos de costura. No entanto, como a da Terra Branca está na principal via de Espera Feliz, todos os veículos que entram ou saem da cidade passam, obrigatoriamente, por ela.

Mas não é seu protagonismo logístico que se destaca, e sim uma peculiaridade que, dentre todas, só ela apresenta: a ponte da Terra Branca é um ponto de reunião de pessoas.

Exatamente isso. Como numa praça pública, a ponte da Terra Branca reúne pessoas; o que é bastante curioso, já que no local não há atrativos ou adereços urbanos que atraiam a atenção dos olhos – são apenas o rio de águas muito turvas lá embaixo e a armadura de concreto entre uma e outra margem.

Mas por algum motivo, ali, sobre a ponte, muitas pessoas se encontram. E não é porque simplesmente se encontram no acaso do dia a dia ao atravessarem de uma parte à outra. Se encontram como se fosse mesmo um lugar agradável para ficar; para fazer ou desfazer negócios, talvez; ou para bater papo, atualizar-se das notícias domésticas, fofocar, quem sabe.

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Ao passar por ali, a qualquer hora, avista-se pessoas paradas sobre a ponte, em pares, em trios, braços cruzados ou cotovelos apoiados no beiral, fumando, conversando. Demoram-se por alguns minutos – ou até mesmo horas – e depois vão-se embora, cedendo lugar para outras, que chegam, param, conversam, fumam e se vão.

Durante o verão, quando precipitam-se as chuvas de janeiro, multidões se aglomeram sobre a ponte, partilhando preocupações, vigiando a cheia do São João como se pudessem pela força do olhar evitarem enchentes. Mas para além dessa época do ano, que por motivos de uma apreensão coletiva se reúnem, as pessoas também se reunem sobre a ponte, assim, aleatoriamente, cotidianamente, sem motivos.

Há uns vinte e cinco anos a churrascaria que havia do outro lado do rio justificava esses encontros. À noite, por exemplo, a ponte que dava acesso ao estabelecimento se enchia de gente, indo e vindo, grandes e pequenos grupos reunidos sobre a ponte, casais se beijando, amigos bebendo. Nesses momentos, então, a ponte era mais do que um monólito de cimento suspenso sobre o rio: era a metáfora que unia uma cidade dividida pelo fluxo de água que a separa.

Porém, ainda hoje, quando não há mais churrascaria por perto, as pessoas continuam a se encontrar sobre a ponte – nas horas mortas da manhã, no sol branco da tarde, no crepúsculo inaugural da noite. Ficam ali, paradas nas laterais, conversando diante dos carros que passam, diante da vida que se demora num diálogo, num encontro furtivo.

Apesar de parecer banal, é bonito o que se realiza na ponte da Terra Branca. Pois não é banal o aperto de mãos sincero, como não é banal a atenção que se presta a um amigo, um abraço de afeto, um pedido de perdão, um instante de descontração que também pode ser cura – seja numa praça, numa festa, numa sala de estar ou numa ponte como essa sem nada de especial além de ser somente ponte.

No fundo, a ponte da Terra Branca talvez signifique mais do que uma fria, pesada e inerte estrutura na principal via da cidade. Inconscientemente as pessoas sabem que a ponte contém elementos de sua própria existência: o rio é o tempo que passa sem nunca se repetir; o vão entre as margens é a travessia da vida; e a ponte mesma a possibilidade dos encontros, reencontros, vínculos e despedidas.

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A ponte da Terra Branca tem mais a dizer sobre nós do que nós mesmos.

Por Farley Rocha.

Sobre Farley Rocha

Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com


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