Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Em qualquer cidade, vila ou povoado há eventos sobrenaturais que se tornam lendas do folclore local. É assim que mulas-sem-cabeça nas estradas rurais, coriscos com olhos de brasa no centro de redemoinhos, assombrações desfiguradas em encruzilhadas escuras e almas penadas em fazendas abandonadas povoam o coletivo imaginário de cada lugar.
Fora os mitos populares conhecidos, existem aqueles específicos transmitidos de geração a geração. Por aqui não é diferente. Espera Feliz também possui suas histórias que dariam muitas páginas de um livro de terror.
Uma delas é a da Loira do Banheiro. Tudo bem que não passa da versão local para uma fábula recorrente pelo país, mas esta possui peculiaridades que só nós reconhecemos. Falam que há muitos anos, na Escola Estadual Altivo Leopoldino de Souza, após o término das aulas noturnas uma secretária que ficara até mais tarde finalizando um serviço ouviu ruídos datilográficos de uma máquina de escrever. No mordaz silêncio da noite, o barulho ecoava pelos corredores vazios da escola num tlec-tlec apressado e ininterrupto. A funcionária então, motivada mais pelo incômodo do que por medo, foi verificar qual era a origem do estalido quando, de repente, abismou-se ao perceber que o som vinha do banheiro feminino, de onde a lâmpada refletia um claro feixe no chão do pátio. Intrigada, ao passar pela porta aberta deparou-se com o espectro de uma jovem toda de branco, descalça e com longos cabelos loiros, datilografando desesperadamente uma etérea carta à máquina de escrever. Quem ou o quê ela era e por que escrevia no banheiro ninguém até hoje soube explicar.
Com mesmo grau de suspense também há relatos acerca do Educandário Sacramentino – o sombrio e imponente prédio do “Seminário”. Talvez por ser um imóvel existente desde os primórdios de Espera Feliz, com sua colossal estrutura envelhecida feito um cubo de concreto no centro da cidade, este icônico monumento possui uma aura fantástica e uma história submersa em mistérios. Por isso mesmo, dizem que à noite, quando o prédio está completamente desabitado é possível presenciar em seu interior vultos desconhecidos e fenômenos bizarros que poriam medo até nos mais céticos. Pois na solidão obscura da madrugada, pode-se ouvir o ranger de pesadas portas de madeira se movendo, o arrastar de mesas e cadeiras em suas grandes salas eclesiásticas e o chiado de torneiras e chuveiros abertos sabe-se lá por quem. Fato ou mito, ninguém se voluntariou para se constatar a verdade.
Outro episódio dos mais intrigantes diz respeito a um dos endereços mais antigos de Espera Feliz: a Rua Major Pereira. Alguns moradores afirmam que, em determinadas épocas do ano, um tropel de cavalo pode ser ouvido sobre o calçamento cruzando a madrugada a partir da meia-noite. Mas quando janelas são abertas para ver de quem se trata, não há cavaleiro nem cavalo nem nada. Por isso, atribuem ao já falecido senhor Francisco Pereira de Souza – o patrono da rua – esta cavalgada do além. No entanto, diferente de assombrações que surgem para zombar dos vivos, o suposto fantasma do Major Pereira zela pelos residentes mais humildes da rua – já que, no passado, foi ele o doador de terrenos para a construção das primeiras casas do local, no início do século XX.
Já um caso raro e pouco conhecido é a curiosa história da “Pedra que Geme”. No morro logo acima do bairro João do Roque, na localidade conhecida como Córrego dos Borges, os sitiantes relatam a lenda de uma rocha que, sempre à meia-noite de Sexta-feira da Paixão, começava a gemer como se clamasse por socorro no silêncio da escuridão. Eu mesmo tenho tios, primos e conhecidos que juram ter escutado tal voz de assombração. Dizem que há muitos anos, uma senhora que morava lá perto perdera sua filha ainda pequena e, atormentada pelas fúnebres lembranças, a mulher enterrara brinquedos e vestimentas da menina ao pé da rocha de granito. Esta macabra história foi confirmada depois que moradores, amedrontados pelos lamentos do espírito da criança, escavaram os arredores da pedra e encontraram cacos de bonecas de louça, trapos de vestidos de renda, fivelas de sapatinhos de couro e correntinhas de prata carcomidos pela terra. Depois disso, como que para libertar a alma da menina e aliviar o martírio da mãe já falecida, explodiram o lajedo em mil pedaços para calçarem com pedras as ruas da cidade.
Se são verdadeiras ou fruto da imaginação, tais histórias que compõem nosso folclore são a prova de que a vida real também é feita de mistérios que vemos. Pois o que a razão não explica, o misticismo não desmente.
Há muitos outros relatos de casos sobrenaturais e de seres fantásticos que habitam por aqui: avistamentos de sacis-pererês no Córrego do Chalé, aparição de unicórnios nas estradas de Caparaó, contatos com OVNI’s no Alto das Três Cruzes, pressentimentos tenebrosos na curva da Volta Fria, revelações de duendes no Córrego da Prata e Forquilha do Rio, e a moça que pede carona no asfalto da Serra de Carangola.
Mas estas são histórias que deixo para uma outra crônica.
Por Farley Rocha.
Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com