Este é um artigo ou crônica pessoal de Farley Rocha.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Pela magnitude que o título sugere, “A Árvore que Levantou a Pedra” parece nome de um importante épico grego, ou um versículo sombrio do Apocalipse, ou um filme clássico de Hollywood dos anos de 1950. Mas na verdade se refere a um monumento natural camuflado no meio dos cafezais dos arredores de Espera Feliz.
Considerado por nós um fenômeno espantoso, trata-se de um frondoso pé de gameleira que, de maneira impossível, literalmente suspendeu a 3 metros do chão uma rocha de aproximadamente 2 toneladas. Não se sabe ao certo a idade da árvore, nem quando ocorreu tal prodígio. A julgar pela espessura do caule e os sulcos cicatrizados de seu casqueiro, falam de cem a cento e cinquenta anos.
No local onde se encontra, um grotão de lavouras nas encostas da Serra do Bicudo, a três quilômetros do centro da cidade, há um afloramento de rocha vulcânica fraturada pelo desgaste geológico dos séculos e por intempéries climáticas. Ao lado dela, o solo rico de sedimento orgânico fez germinar uma árvore entre pedregulhos estilhaçados e blocos irregulares de granito. Quando nasceu, uma das pedras que obstruíam seu crescimento foi contraída por ela e, de alguma forma que não se pode imaginar, a planta se desenvolveu no seu entorno, abraçando-a com seus galhos e alçando-a com a força descomunal de suas protuberantes raízes.
O resultado desta implacável ação da natureza é que o tronco da árvore, ao envolver a imensa rocha com sua carcaça de fibra vegetal, atrofiou-se numa massa sólida de madeira e musgo aglutinando-se ao pesado bloco mineral. Para quem a contempla, a impressão é a de que árvore e pedra fazem parte de um só corpo, com os galhos retorcidos e a copa deformada pelo brutal esforço.
Embora o lugar não seja muito frequentado, os que o conhecem são tomados de fascínio diante deste estranho e belo acontecimento megalítico. Fosse Espera Feliz uma aldeia indígena e nós os membros desta tribo, a árvore da pedra nos seria uma entidade mitológica, um relicário de adoração aos deuses para rituais de agradecimento nas noites de luar.
No entanto, satisfazemo-nos com piqueniques à sombra de seus galhos tortos ou fazendo selfies com a mão espalmada na superfície áspera do seu tronco robusto. Deslumbrados, terminamos por não dar conta dos significados que ela nos revela: a partir de sua imagem, é possível se conceber uma fábula – “A Árvore e a Pedra” – cujo enredo narra um duelo extraordinário entre duas criaturas imponentes e a inesperada vitória de um organismo vivo sobre um antigo e inanimado artefato mineral. Ou de dois seres de natureza distinta que se apaixonam e, na impossibilidade de realizarem seu amor, um faz do outro o seu próprio coração: a fria rocha cristalizada no tórax quente da árvore. Resistência, superação, força de vontade, resiliência e determinação sintetizariam bem qualquer uma das parábolas.
Mas fora a mística que se teça a respeito, um pensamento é certo: quantos casos semelhantes há no mundo? Quantas árvores engoliriam por inteiro uma pedra dessas? Ainda que não sejam raros, um fenômeno tão singular como este faz de Espera Feliz, no mínimo, um lugar curioso, onde a natureza é imprevisível e seus ocultos poderes, sedutores.
Um dia, quando a árvore perecer pelo decorrer dos séculos e se transformar num esqueleto carbonizado de lenha e carvão, a imensa rocha permanecerá lá, fossilizada junto aos seus restos, soterradas lado a lado pela sedimentação do tempo. Então, a história contada já não será mais uma fábula, e sim uma lenda.
A lenda da árvore que um dia levantou uma pedra.
Por Farley Rocha.
Farley Rocha é professor, fã do Radiohead e do Seu Madruga. Já plantou uma árvore, escreveu um livro e edita o blog http://palavraleste.blogspot.com