Este é um artigo ou crônica pessoal de Enrique Natalino.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Impulsionar o desenvolvimento econômico e social da Zona da Mata Mineira constitui um complexo desafio para Minas Gerais e o Brasil na segunda década do século XXI. Para que tenhamos uma dimensão dos fatores positivos que projetam a Zona da Mata como uma economia promissora, as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, os aeroportos de Confins e do Galeão, os terminais portuários do norte fluminense e sul do Espírito Santo, o complexo siderúrgico de Volta Redonda, as refinarias de Betim e de Duque de Caxias, a Rodovia Presidente Dutra, principal ligação rodoviária da megalópole do Sudeste, encontram-se a não mais do que três horas de distância de carro de Juiz de Fora, o seu maior centro regional, uma das cidades mais importantes de Minas Gerais, polo industrial, comercial, universitário e cultural de um cinturão que abrange uma área de 35.747,729 km².
Trata-se de uma região brasileira com imensos recursos e um grande potencial, mas que tem deixado a desejar em termos de crescimento nos últimos anos. De acordo com o estudo “Agenda de Desenvolvimento da Zona da Mata”, publicado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a região apresentou, entre 1999 e 2008, um crescimento econômico inferior à média das 12 mesorregiões do Estado, correspondendo à metade do desempenho das áreas mais desenvolvidas (Metropolitana de BH, Noroeste de Minas, Central Mineira e Oeste de Minas), aproximando-se das áreas mais pobres do Estado. Entre os fatores que contribuíram para esse desempenho ruim, encontram-se a crise da economia cafeeira após a crise de 1929, a insuficiência de investimentos em transportes, a concorrência econômica predatória com regiões fronteiriças do Rio de Janeiro e a falta de um planejamento coordenado para mobilizar lideranças, agentes, esforços e políticas públicas para reverter o declínio regional.
Em primeiro lugar, cite-se a crise da economia cafeeira, a grande alavanca de colonização da Zona da Mata desde o século XIX. Com 142 Municípios e uma população de 2,7 milhões de pessoas, a Zona da Mata faz a ponte entre o Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais e os Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. O começo da colonização se deu a partir do declínio da mineração e da revogação da proibição da colonização dos chamados “sertões do leste” por parte da Coroa Portuguesa. Habitada por índios puris e botocutos, gradualmente exterminados em função da expansão da fronteira agrícola, a integração ao complexo cafeeiro do Vale do Paraíba impulsionou a expansão das lavouras e conectou as terras entre os rios Muriaé, Pomba e Paraibuna ao complexo exportador fluminense. Esse desenvolvimento foi intensificado partir da construção da Estrada União e Indústria, entre Petrópolis e Juiz de Fora, e da Estrada de Ferro Leopoldina, interligando a região ao porto do Rio de Janeiro e viabilizando intenso fluxo de pessoas e mercadorias.
Refletido na riqueza acumulada pelos fazendeiros de café e no começo de um surto de industrialização em Juiz de Fora, chamada de Manchester mineira, o esplendor da economia cafeeira na Zona da Mata se deu nas primeiras três décadas do século XX. Produzindo imensas fortunas e gerando excedentes que permitiram uma grande efervescência cultural em cidades como Cataguases, Miraí e Leopoldina, teve fim abrupto com a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. A crise do café trouxe efeitos sociais desastrosos, levando produtores à falência, empobrecendo as cidades e deflagrando um surto de migração para outras áreas do país. A erradicação dos cafezais e o desmonte de diversos ramais ferroviários nas décadas seguintes desestruturaram o complexo cafeicultor, que não foi adequadamente reconvertido para outras atividades agrícolas, deixando terras subaproveitadas ou abandonadas.
O segundo fator de peso nesse processo foi a insuficiência de investimentos em infraestrutura por parte do Governo Federal. Embora próxima das grandes capitais do país, a Zona da Mata tem sofrido, ao longo de décadas, com a falta de aportes de recursos da União para adequar as principais rodovias que a cortam (BRs 040, 116 e 262) ao aumento da demanda de transporte de cargas e de passageiros. Embora relativamente próxima de importantes mercados, portos e aeroportos, apenas uma pequena parcela do território da Zona da Mata tem conseguido transformar essa vantagem logística em benefícios econômicos e sociais. Assim, o desenvolvimento regional tem se dado de forma heterogênea e esparsa, na forma de pequenos enclaves, com a concentração de grande parte da produção econômica no entorno de Juiz de Fora, que possui 33,4% da sua população e 50% do seu PIB industrial. Apesar dessa relativa vantagem, advinda especialmente da presença de uma estrutura econômica e produtiva, o estudo da UFJF aponta que a cidade tem apresentado um fraco desempenho do PIB na última década, com a menor taxa de crescimento entre as maiores cidades da região.
Cataguases, Muriaé, Ubá, Viçosa, Ponte Nova e Manhuaçu são os Municípios que apresentam maior dinamismo econômico, especialmente nos setores de confecção, têxtil, alimentar, química, papel-papelão e de móveis. Apesar dos imensos esforços dos Municípios e do Estado para dotar tais cidades de equipamentos públicos para competir no mercado nacional nesses setores, a região se ressente de diretrizes e esforços mais coordenados e abrangentes, notadamente do Governo Federal, que se omitido não apenas em relação à infraestrutura, mas igualmente na oferta de soluções para a crise federativa, que ameaça a própria existência dos entes subnacionais como entidades autônomas. Entre as soluções apontadas para reverter esse elo frágil com o resto do país encontra-se a duplicação da BR-040 entre Juiz de Fora e Belo Horizonte, da BR-116 (Rio-Bahia) e da BR-262, entre Belo Horizonte e Vitória, além da construção de contornos rodoviários, da reativação de ramais ferroviários e da modernização de vias estaduais e vicinais. O Governo de Minas tem feito esforços permanentes nesse sentido, com investimentos importantes em programas como o ProAcesso, o ProMG e o Caminhos de Minas, que vêm proporcionando aos pequenos e médios Municípios novas e melhores estradas. A consolidação do Aeroporto Regional da Zona da Mata, em Goianá-Rio Novo, para transporte de cargas e passageiros, aliado a um projeto de aeroporto-indústria, também se enquadra nesse esforço de dotar a região de condições de transporte de qualidade.
A guerra fiscal com o Estado Rio de Janeiro também tem impedido que a região fosse beneficiária do transbordamento dos efeitos positivos que a indústria do petróleo trouxe ao Estado vizinho, com a injeção anual de bilhões de reais na economia. Dessa forma, o baixo ICMS, as taxas de juros quase negativas, os incentivos ofertados e os recursos extraordinários dos royalties do petróleo acabam levando à perda de competitividade dos municípios do sul da Zona da Mata em relação ao lado fluminense. De acordo com o estudo da UFJF, para cada R$ 1 milhão em investimentos que migram do Estado de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, deixam-se de ser gerados R$ 1,51 milhão em produção e 27,3 novos postos de trabalho ao ano, além de perda de arrecadação para o Estado e para os Municípios.
Esse fator de desequilíbrio torna imperiosa a busca de uma política fiscal, tributária e de financiamento diferenciada, capaz de atrair mais investimentos de qualidade, fortalecendo os distritos industriais e consolidando os arranjos produtivos locais, nos setores metal-mecânico e gráfico (Juiz de Fora), de papel-papelão (Juiz de Fora e Cataguases), de móveis (Ubá), têxtil-confeccionista (Juiz de Fora, Cataguases, Muriaé, Ubá, Leopoldina e Mar de Espanha), de fruticultura (Ubá e Cataguases), alimentos (Juiz de Fora, Ubá, Cataguases e Leopoldina), farmoquímico (Juiz de Fora e Cataguases), de mudas (Dona Euzébia e Astolfo Drutra) e audiovisual (Cataguases). As décadas de relativa estagnação e de baixo crescimento em relação a outras partes de Minas não impediram que essas cidades e microrregiões procurassem, de forma inteligente, uma nova e bem sucedida vocação. A produção de café de qualidade nas áreas montanhosas, a expansão do turismo de aventura no entorno das Serras do Brigadeiro e do Caparaó, a produção leiteira, a plantação de eucalipto e a criação de peixe em tanques têm sido atividades igualmente importantes para essa região de Minas.
O desenvolvimento altamente concentrado em poucas cidades impõe ainda uma agenda mais abrangente de desenvolvimento, capaz de integrar esforços de diversas esferas governamentais e do setor privado para dar um passo ainda mais ambicioso na direção de uma economia moderna e voltada à produção de conhecimento. Inserem-se nesse quadrante a necessidade de estudos que apontem as vantagens logísticas e operacionais da região para a atração de indústrias, a instalação de plataformas de exportação e a produção de tecnologias de ponta em diversos setores. Os Parques Tecnológicos de Viçosa e Juiz de Fora, bem como as universidades federais adjacentes, bem como outros centros de pesquisa e ensino, têm um papel importante a desempenhar. Complementar a essa frente de ação é a criação de programas específicos em diversas áreas e segmentos para apoiar os Municípios menos desenvolvidos da região, dando-lhes oportunidades para avançar em termos de qualidade de vida.
Apesar da localização estratégica na região Sudeste e da farta disponibilidade de recursos humanos e naturais, a macrorregião da Zona da Mata Mineira tem sofrido um declínio que tem condições de ser revertido com a conjugação de esforços e ações no sentido de elevar a competitividade, atrair mais investimentos e trazer melhores níveis de emprego e bem-estar aos seus habitantes. Como salienta o nosso embaixador da Zona da Mata no Governo de Minas, José Emílio Afonso, profundo conhecedor da região, esse esforço não pode ser dissociado da busca de lideranças comprometidas com um projeto de desenvolvimento para a região e que sejam capazes de dar voz ao seus habitantes nos diversos foros representativos do Estado e do País. Com melhor infraestrutura, inovação, governança inteligente e atenção redobrada ao alinhamento de estratégias de desenvolvimento com as preocupações ambientais e sociais em voga, a Zona da Mata tem condições de dar um novo salto de desenvolvimento nos próximos, voltando aos seus dias gloriosos e ajudando Minas a avançar nacional e internacionalmente.
Enrique Carlos Natalino é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. É graduado em Direito na Universidade de São Paulo (USP). É professor-colaborador do Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais da PUC-Minas. Foi pesquisador-visitante do German Institute of Global and Area Studies (GIGA), na Alemanha. Co-edita o blog de Política Internacional Fora da Cadência (www.foradacadencia.com).