Este é um artigo ou crônica pessoal de Enrique Natalino.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Michel Temer não tem mais condições de permanecer na Presidência da República. A credibilidade do chefe de Estado foi comprometida. Temer é hoje um presidente sitiado pelos fatos. Um verdadeiro pato manco cercado por um mar de lama. A credibilidade e a reputação do chefe de Estado foram comprometidas. Pela evolução da crise em marcha, há cada vez menos condições de comandar o país. Sua coalizão política foi fragilizada e o governo parece que não tem mais condições para a aprovação das reformas indispensáveis à recuperação econômica.
É inútil e indecente a tentativa de salvar Michel Temer em nome da continuidade das reformas, hoje comprometidas pelo descrédito em relação a um governo que, tal qual o de Dilma Rousseff, perdeu a confiança da sociedade por proteger investigados por corrupção. Recém saído de uma recessão de três anos que destruiu 7% do Produto Interno Bruto e ceifou milhões de empregos, o Brasil não pode se dar ao luxo de sangrar numa guerra entre os defensores de um presidente moribundo e os que querem a sua cabeça a qualquer custo. A agenda de ajuste fiscal, de mudanças na Previdência e nas leis trabalhistas e de modernização do Estado, indispensáveis à estabilização da economia, ficarão em segundo plano. Elas estarão paralisadas nas mesas do Executivo e do Congresso Nacional enquanto essa crise se arrastar.
A permanência de Michel Temer na Presidência da República agrava a crise política e econômica. A melhor saída para a crise é a renúncia. O roteiro da sucessão está dado pela Constituição Federal: eleições indiretas em 30 dias para concluir o mandato que termina em 2018. É precisa pensar no Brasil e na defesa das instituições democráticas, não em saídas casuísticas. A moralização do país e da política não passam pelo atropelo da Constituição. Assim como no Impeachment de Collor, é preciso preservar a institucionalidade e o funcionamento do Estado, especialmente da economia e da máquina pública.
É indispensável que o processo de sucessão siga os ditames da Carta Magna, com tranquilidade e isenção, levando à escolha de um presidente com reputação impoluta, sem qualquer envolvimento com as investigações em curso ou com qualquer outro escândalo de corrupção. O novo presidente-tampão completaria o mandato que termina em 2018 e governaria com base num pacto nacional pela realização de uma ampla reforma política e pela continuidade das medidas de estabilização econômica para a retomada do crescimento sustentável.
Felizmente, dos quartéis não chegam mais ameaças de pronunciamentos e de intervenções, mas palavras tranquilizadoras de absoluto respeito à legalidade. Os defensores de remendos constitucionais de afogadilho se aproveitam da crise para pedir eleições diretas, algo que não tem previsão constitucional. A história de nosso país mostra que o atropelo da linha de sucessão presidencial prevista na Constituição e do calendário eleitoral só trouxeram dissabores e consequências desastrosas, como mostram as crises constitucionais de 1955, 1961, 1964 e 1969.
O Brasil está assistindo à implosão de um modelo político corrupto e viciado, sustentado pela aliança espúria entre políticos dos mais variados partidos e os grandes grupos empresariais dependentes de favores do Estado. Os modelos de política, de Estado e de capitalismo de compadres no Brasil faliram. O que mais nos choca nessa crise toda é a desfaçatez e a sem-cerimônia com que os poderosos usaram os seus cargos para defender interesses econômicos e políticos próprios, de amigos e de correligionários. A exposição, à luz do sol, das entranhas desse sistema que renega o princípio da legalidade e os fundamentos da democracia nos abre uma oportunidade única de recomeço. Que este momento crítico da nossa História leve a uma refundação da República, não por um golpe militar ou por um pacto de oligarquias, mas por uma transição dentro das leis, que preserve a democracia e o Estado de Direito como valores supremos.
Por Enrique Carlos Natalino.
Enrique Carlos Natalino é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. É graduado em Direito na Universidade de São Paulo (USP). É professor-colaborador do Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais da PUC-Minas. Foi pesquisador-visitante do German Institute of Global and Area Studies (GIGA), na Alemanha. Co-edita o blog de Política Internacional Fora da Cadência (www.foradacadencia.com).