Este é um artigo ou crônica pessoal de Amanda Gerardel.
Não se trata de uma reportagem ou opinião do Portal Espera Feliz.
Entre fogos e fumaça gotejante, Isaura saía de seu palco, mais cansada que realizada, havia cantado por horas, é certo, mas a sua turnê diurna fora intensa e o esgotamento não tardou a vir.
Pela manhã seu aeróbico diário, afinal ficar em forma para os palcos não era fácil. Após quatro filhos nascidos e bem criados, o corpo pede arrego. Seu aeróbico matutino era o dos mais simples, praticado entre celebridades e entre nós, reles mortais.
A tarde, treino de força, um percurso árduo para uma faxineira, ainda mais não acostumada a limpar duas casas por dia, mas quando as contas apertam, esse é o jeito.
Isaura treinava noite e dia. Durante os treinos, ao som do seu velho celular, com seus fones de ouvido, até fazia alguns ensaios, encantava os patrões com sua voz de sabiá convalescente e se distraía do tempo.
Quando a noite baixava, Isaura já estava à postos. Entrava em seu camarim, se olhava no espelho, acalmava a plateia com um bom jantar, escolhia seu figurino e ia rumo ao palco. A água fumegante para espantar as dores musculares fazia a luz do casebre piscar.
Após seu ritual pré-show, Isaura estava pronta para começar. Seu repertório era vasto, ia de “A ópera do Malandro”, passava por Zeca pagodinho e fechava nos clássicos de Almir Sater, algumas vezes arranhava uns versos de autoria própria, porém esses nunca vingavam.
Naquela noite, porém, onde a fumaça densa gotejava a laje do banheiro, Isaura se surpreendeu com os fogos inesperados. O chuveiro estava proclamando o seu grã finale, após anos nos bastidores daquele espetáculo lindo e infindável, a pobre resistência sucumbiu. Não se sabe se foi pelos anos de abuso ou se por suicídio após ouvir infindavelmente Isaura cantarolar, o fato é que naquele momento seu pobre companheiro de palco veio a falecer”.
Entre estalos, fogos e o grito de soprano da cantora, a fiação derretida traçava ali a aposentadoria de Isaura. Depois deste dia fatídico as suas únicas aparições naquele palco eram à capela, em pequenas participações de dois minutos, e assim mais um sonho se acaba.
Por Amanda Gerardel.
Provavelmente a pessoa mais perdida e desequilibrada desse Portal. Seus textos refletem isso, não crie expectativas, apenas leia, reflita e aprecie o que a loucura pode gerar no fenômeno da escrita.